autorretrato de Tarsila do Amaral com casaco vermelho
Autorretrato de Tarsila do Amaral
Histori-se entrevista Tarsila do Amaral.
Históricas: série “janela dos tempos”

Esta janela dos tempos é imprevisível!

Obra "Romance"_1925_Tarsila do Amaral
Obra “Romance”_1925_Tarsila do Amaral

E lá estava eu, apreciando algumas imagens de obras de pintoras brasileiras presentes no movimento modernista quando ela se apresentou e eu – mais que depressa – parti.

E parti tão depressa que me esqueci de pensar para onde iria.

Saí de quase 40 graus e surgi numa noite fresca às margens do rio Sena.
Onde? Sim. Em Paris!

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Ainda um tanto atônita, eu percebi a aproximação de uma mulher muito bonita e elegantemente trajada com um casaco vermelho.
Os seus cabelos presos e escuros deixavam em destaque seus longos brincos.

Autorretrato de Tarsila do Amaral (apenas rosto)
Autorretrato de Tarsila do Amaral _ rosto

TARSILA

A imagem não me era estranha, mas precisei de alguns minutos para reconhecer a dona de tal impressionante figura: Tarsila do Amaral.

___ Deste jeito, irá resfriar! Exclamou ela, admirando meu vestido com estampado, artesanalmente, com impressões botânicas.

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Você pode aprender a fazer tais estampas no curso que Histori-se e Arabescko oferecem nesta edição.

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A ENTREVISTA

A exclamação veio acompanhada pelo convite para um café em sua moradia francesa e da oferta de um mantô para me abrigar do frio.

___ Aguardava a oportunidade de conceder uma entrevista para Histori-se. Das revistas do futuro, Histori-se é a que me encanta. “Très Chic”!

___Conhece Histori-se? Século XXI?

__ Mas é claro “ma cherie”.
Vivemos uma época de grandes novidades e invenções.
Meu amigo, Santos Dumont, anda testando umas engenhocas que vocês nunca saberão.
Uma dessas não deu nada certo, mas acabamos descobrindo a janela dos tempos e passamos uns dias encantadores no próximo século
.

Lembrei, vagamente, de um e-mail – que julguei ser spam – assinado Tarsila…

Quentinha, tomando um gostoso café com bolo, começamos a nossa entrevista.

Histori-se – Entre as suas obras, há um quadro que me parece a Torre Eiffel retratada no Brasil.

Tarsila – Sim! Pintei em 1924. Por exemplo, Santos Dumont inventou o avião e muitos são os avanços tecnológicos de nossa época, mas viajando pelo Brasil, me dei conta que todo esta riqueza tecnológica e material não significam a diminuição da pobreza. Oh! O mundo é cheio de contrastes. O Brasil é feito de muitas faces!

Obra Carnaval em Madureira_fase pau brasil
Obra “Carnaval em Madureira”

Histori-se – Observando este e outros quadros seus, percebemos uma mudança de modos de expressão artística. Concorda?

Tarsila – Oh! Atualmente (década de 1920), vivemos uma reação artística que vem se fazendo desde por volta de 1908. Aqui, na França, dizem cubismo. No Brasil, fala-se de futurismo, assim como na Itália.

Histori-se – Sabe que produzirá mais de duzentas obras, como qualifica esta sua fase de criação? Suas inspirações têm alguma ligação com a Semana de Arte Moderna?

Tarsila – Que bela notícia do futuro! Claro que minhas inspirações têm ligação com as ideias que balizaram a Semana de Arte Moderna. Acho que esta minha fase pode ser chamada de Pau Brasil. Há algo mais representativo de nossas origens nacionais?

[Fiquei em silêncio… Não sei se concordo (ou não) com a alegoria do pau-brasil como símbolo da brasilidade. Mantive o silêncio reflexivo enquanto apreciava um pedaço do bolo].

Tarsila sorveu um gole de café e continuou:

Tarsila – Busco cores, que são vivas e fortes, e luzes para marcar a brasilidade. Dedico-me a temas nacionais. Quero pintar o Brasil. Mas, agora, já me dedico, também, a uma estética, como explicaria…. Antropofágica. Acho que seria isso.

Histori-se – Sabia que seu quadro Abaporu será muito famoso. Alcançará, inclusive, uma grande soma no mercado das artes.

Tarsila – Não acredito! (risos). Um presente para meu companheiro Oswald de Andrade! Ainda bem que ele me devolveu o presente. Oswald foi meu segundo marido. Encantou-se por uma moça jovem que, aliás, tem primeiro nome como o seu: Patrícia.

Imagem da obra Abaporu de 1928
Imagem da obra Abaporu _1928

Saia justíssima essa. Eu, criadora e editora de Histori-se, tenho o nome daquela que, se antes foi amiga querida de Tarsila, hoje, parece não ser mais… Ela se refere à Pagu (Patrícia Galvão).

Hoje, a obra Abaporu compõe o acervo do Museu de Arte Latino – Americano de Buenos Aires (Argentina).

Histori-se – Patrícia não é um nome tão diferente como Tarsila. È um nome comum, creio.

Tarsila – Não tão comum, mas vocês não são a mesma pessoa. Vamos prosseguir. È “Trés Chic” ser entrevistada por você, editora de uma revista – almanaque de pensamentos, vozes e mulheres do século XXI.

Histori-se – Musa do modernismo brasileiro?

Tarsila – Musa? (risos).  Não participei da Semana de Arte Moderna embora tenha me engajado em seu movimento pouco depois deste evento. A Semana aconteceu em fevereiro, eu retornei ao Brasil em junho de 1922. Portanto, quando aconteceu, eu estava vivendo aqui, em Paris.

Carlos Drummond de Andrade – no poema Brasil/Tarsila – apresenta Tarsila do Amaral como a musa:

“[…] Tarsila / nome brasil, musa radiante / que não queima, dália sobrevivente / no jardim desfolhado, mas constante / em serena presença nacional / fixada com doçura, / Tarsila / amora amorável d’amaral / prazer dos olhos meus onde te encontres / azul e rosa e verde para sempre”

Histori-se – E como se engajou tanto no movimento, sendo considerada uma das expoentes modernista?

Tarsila – Minha grande amiga Anita Malffati foi minha grande influência. Ela me explicou sobre o movimento que aqui se formava e me apresentou ao grupo da Semana de Arte Moderna. Meu ateliê, no Rio de Janeiro, virou um centro de encontros e conversas. A gente, entre outras ideias, queria buscar e representar a brasilidade.

Histori-se – Vocês duas fizeram parte do famoso “Grupo dos Cinco”?

Tarsila – [sorrindo] Sim. Nós, Oswald, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, estávamos sempre reunidos. Quando, no final do ano, retornei para a Europa, levei comigo outro olhar para a arte. Antes eu pouco aventurava. Digamos que meus estudos eram acadêmicos.

Histori-se – É considerada uma mulher de vanguarda. O que diz sobre isso?

Tarsila – Interessante. Nunca me percebi assim, mas sei que não sou o perfil de mulher idealizado pela sociedade conservadora brasileira, e não, somente, pela brasileira.

Quantas mulheres têm a oportunidade de instrução que tive? Estudei em conceituados colégios no Brasil e na Espanha: no Colégio Sacré-Coeur em Barcelona. Devido à condição financeira de minha família, e também, à sua cultura, viajo muito.
Já separada do meu primeiro marido, na idade em dizem que mulheres já estão envelhecendo (faixa dos trinta anos), fui me dedicar aos estudos das artes, primeiro, em São Paulo e, depois, na Europa.
Então, aproveito meus, digamos, privilégios em uma sociedade, onde as mulheres, ainda, nem podem votar e serem votadas.

Histori-se – Uma mulher cosmopolita?

Tarsila – Uma caipirinha de Capivari.

Imagem da obra "A caipirinha" de Tarsila do Amaral
Imagem da obra “A caipirinha” (1923). 

Tarsila do Amaral nasceu em Capivari, interior de São Paulo (Brasil), no dia 01 de setembro de 1886, na fazenda de sua família: Fazenda São Bernardo.

Histori-se – Quais temas te inspiram?

Tarsila – Temas do cotidiano. Não digo, especificamente, do meu cotidiano. Do cotidiano das diversas pessoas. A cultura popular brasileira. Cenas das diversas faces do Brasil.

Imagem da obra "A Cuca" de Tarsila do Amaral
Imagem da obra “A Cuca” de Tarsila do Amaral

Histori-se – O que é a Cuca? Você a pintou em 1924?

Tarsila – A Cuca está na brasilidade, na nossa cultura. Inventei a Cuca, como a imagino. Misturei vários animais de nossa fauna e usei cores que, antes desta fase de pintura, não usava. Desaconselhavam que eu usasse estas lindas e vivas cores: vivas e fortes.

 Atualmente, a tela “A Cuca” está no Musée de Grenoble (França).

Histori-se – Vaidosa?

Tarsila – Sim. Considero-me uma mulher vaidosa. A vaidade é, entendo, um gostar de se cuidar. Também aprecio moda. A arte de um belo design de moda.

Histori-se – Este seu mantô vermelho é um luxo. Lindíssimo! Amo vermelho.

Tarsila – Oh! È uma criação do estilista Jean Patou. Lindo!  Até me autorretratei usando-o.

autorretrato de Tarsila do Amaral com casaco vermelho
Autorretrato  (Manteau Rouge)-1923. 

Histori-se – Um ano marcante?

Tarsila – Talvez, você e seguidores de Histori-se pensam ser 1922. Mas não foi. Vou escolher os anos de 1929 e 1930.

Histori-se – Por quê?

Tarsila – Minha vida sofreu grande revés. Eu já estava acostumada a sair dos padrões esperados para as mulheres de então. Mas, entre os meus privilégios, estava pertencer à alta classe social dos cafeicultores e a não me preocupar com dinheiro. Pois bem, as crises da bolsa e do café levaram minha família à crise financeira e precisei trabalhar para ganhar o meu sustento.

[Pausa]

Tarsila – Meu segundo marido me traía. Já falamos sobre. Quando descobri, fiquei furiosa.  Não podia aceitar! Foi o fim do meu segundo casamento. Na minha família e, não apenas, foi mais um escândalo. Mas, diferente de muitas mulheres, tive o apoio de meus pais.

[Pausa]

Tarsila – De início, trabalhei na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Veio o governo de Getúlio Vargas. Perdi o emprego.

Histori-se – E como veio parar em Paris novamente?

Tarsila – Bom… Sou uma mulher que se enamora.

Vendi alguns de meus quadros e junto com Osório (Osório Thaumaturgo César) viajei para Moscou e outras cidades europeias. Agora, estou aqui, em Paris. E pasme!
Para me sustentar e ajuntar dinheiro para retornar ao Brasil, trabalho na construção civil. Agora pinto paredes e portas.
O mundo dá voltas e a gente segue junto.

Histori-se – Nós estamos em 1932?

Tarsila – Sim. Já me preparo para retornar ao Brasil. Agora, creio, surpreenderei com minhas pinturas. Continuo interessada nos mesmos temas, mas tenho necessidade de um olhar mais para o social. Acho que fruto de minhas novas experiências.

Histori-se – Sabe que, no ano que vivo (2022), estamos comemorando o ano do Bicentenário da Independência do Brasil e o Centenário da Semana de Arte Moderna?

Tarsila – O que pensam sobre a Independência do Brasil? Será que conseguimos uma nação mais justa? A Semana de 1922 está sendo comemorada? Queria ser uma mosquinha para saber tudo que dizem.

A DESPEDIDA

Conversamos mais um pouco, onde – com cuidados, para não infligir as regras da janela dos tempos – trocamos algumas confidências, até que chegou a hora de nos despedirmos.

Não contei para Tarsila, mas sua vida foi muito intensa.
Ela viveu até o ano de 1973 e produziu mais de 270 pinturas e, também, escreveu crônicas.

Autorretrato de Tarsila do Amaral de vestido rosa_1921
Autorretrato de Tarsila do Amaral (1921)

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Historieta_mascote de Histori-seHistorieta explica:

O Modernismo brasileiro foi um extenso movimento cultural que tem as suas origens a partir de 1912 e suas despedidas por volta de 1945. O evento arauto – do movimento no Brasil – pode ser identificado como a exposição de Anita Malfatti de 1917.

O marco foi a Semana de Arte Moderna – evento artístico que ocorreu na semana de 13 a 19 de fevereiro de 1922, na capital paulista. Nos dias 13, 15 e 17, além das exposições, aconteceram outras programações como conferências e recitais.

Uma curiosidade: neste ano (2022), comemoramos o Bicentenário da Independência e o centenário da Semana de Arte Moderna.

A Semana de Arte Moderna foi programada e executada no ano das comemorações do centenário da proclamação da Independência do Brasil.

Referência sobre Tarsila do Amaral:  AMARAL, Aracy. Tarsila: sua obra e seu tempo. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Edusp: Editora 34, 2003.

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