Vânia Ordones fotografada por Tetê Rodrigues. Fotografia cedida por Arabescko.
Autocuidado é muito mais que moda e mercado. Eu diria que é uma força para estar no mundo. Dedicar-se ao autocuidado é mais do que um acarinhar-se, embelezar-se. É uma ação política e de amorosidade consigo mesma.

BEM ESTAR

CUIDAR-SE

Por mais estranho que possa parecer, cuidar-se começa por não se boicotar, não se esquecer frente às demandas da vida. Começa por se escolher e dedicar um tempinho para você. Ah… Como soam estranhas essas minhas colocações. Eu sei. Sei, na prática, como para além do discurso, é complicado, por vezes, nos escolher sem culpa. Entenda: isso não é egoísmo, é amor.

Na área da saúde, a enfermeira Dorotheia Orem (1914 – 2007) pensou autocuidado como: o que uma pessoa pode fazer, no seu dia-a-dia, de forma autônoma, para manter, melhorar e/ou recuperar a sua saúde e bem-estar. Não estamos falando de grandes custos ou de ações complexas, pelo contrário. Dizemos das ações ordinárias ao longo do nosso cotidiano, de escolhas simples (ou que deveriam ser simples). Apresento alguns exemplos: beber água, alimentar-se de forma suficiente, lavar as mãos, respirar ar puro, ter momentos – mesmo que curtos – para si, ter momentos com amigos.

Audre Lorde (1934 -1992), também, escreveu sobre autocuidado. Em seu livro A Bust of Light, o epílogo sintetiza sua percepção sobre ‘autocuidar-se’: “Cuidar de mim mesma não é auto-indulgência, é auto-preservação, um ato de luta política”.

Sim, autocuidado é um fazer, também, político. Aprender a se olhar, se perceber é um fazer contínuo. Não estou dizendo, reitero, de consumir mais, nem de ser mais produtiva à luz do mercado e, muito menos, de meritocracia ou de competividade. Também não digo de padrões de beleza. Estou dizendo de vida! Estou dizendo da importância (e de como isso, na prática, pode ser difícil) de nos perceber, nos acalentar. De saber que – por vezes – precisamos nos escolher, ‘lamber as feridas’ e respirar para poder prosseguir, para ter a chance de nos fazermos “fênix na vida”.

Não estou falando de individualismo. Falo de partilha. Falo do coletivo. Não digo de silenciamento, mas de escuta. E isso tem como consequência ousar a pensar e ter empatia para além de nossas bolhas.

Falo de acolhimento e de saber e/ou se autorizar a – se necessário – buscar ajuda; entendendo que pedir ajuda é, também, um ato de força, de resiliência, de sabedoria. Entender-nos frágil, penso, é o primeiro passo – o primeiro respiro – para sermos, de fato, fortes. A fragilidade não é defeito, é humana: uma qualidade em nós. É o seu acolhimento que nos leva a nos preservar, a desenvolvermos estratégias de fortalecimento e a nos reconhecermos no coletivo.

Amar-se deveria ser tão simples, tão isento de culpa. Deveria ser – o que é – uma constatação da capacidade de amar os demais. Deveria ser um sinal – do que é – de amor à vida. Não deveria ser confundido com uma das formas de desamor: o egoísmo.

marca Histori-seNOTAS:
  • Audre Lorde – bibliotecária, professora, escritora, poeta e ativista dos direitos civis norte-americana. Pensadora e representante do feminismo interseccional afro-americano.
  • Dorothea Orem – enfermeira norte-americana. Pensou a atuação do profissional de enfermagem, assim como o papel do paciente nos tratamentos de saúde e desenvolveu a Teoria do déficit de autocuidado e, por extensão, o conceito do autocuidado no campo da saúde, na década de 1950 (sobre a qual continuou pensando ao longo da vida). Obra consultada: Self-Care Deficit Theory.
  • Fotografias cedidas por Arabescko – moda sustentável.
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