Elas publicaram em jornais, redigiram peças de teatro, escreveram livros e folhetins. Diferente, também, do geralmente, informado, essas leitoras e escritoras não pertenciam a, apenas, uma camada social. Lógico que eram parte de uma elite! Em um país onde a grande maioria da população era analfabeta, saber ler e escrever era um privilégio.
“[…] o número de mulheres no século XIX que escreveram, tanto em periódicos como em livros, é enorme e seu campo de atuação, também muito amplo: habitaram diversas regiões no Brasil, pertenceram a mais de uma classe social, da mais alta à bem pobre, foram brancas arianas ou negras africanas… […]”
(MUZART, 2003, p.226).
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HISTÓRIA E SUAS MANAS
BELOMA E O JORNAL DAS SENHORAS
A imprensa no Brasil acontece após a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil (1808) e, até meados do século XIX, acredita-se que não temos mulheres fundadoras ou diretoras de jornais. Será? Mas temos elas escrevendo nesses periódicos, muitas vezes, sob pseudônimo. No ano de 1852, uma mulher fundou e dirigiu um jornal: O Jornal das Senhoras. A partir desse feito, temos notícias de vários outros periódicos fundados e dirigidos por mulheres.
A criação de periódicos por mulheres no século XIX era uma ação política e de grande coragem.
Essas produções eram suportes onde brasileiras letradas, primeiro, reivindicaram o direito à instrução – de mesma qualidade que a prevista para os homens – e, na sequência, também, o direito ao voto. Mas não pense que as únicas bandeiras de lutas que encontraremos – ao navegarmos pelas páginas dos diferentes exemplares dessas publicações – serão educação e voto. Poderemos encontrar causas, como: abolição da escravidão, educação de crianças, profissionalização feminina, divórcio…
“[…] em praticamente todos os escritos das mulheres da metade do século ao seu final, encontra-se a luta pelo direito à educação e à profissão. Algumas, poucas, escritoras lutaram igualmente pelo direito ao divórcio (como as gaúchas Andradina de Oliveira […] e Delia, pseudônimo de Maria Benedita Bormann, que desenvolvem o tema em seus romances”
(MUZART, 2003, p.226).
Por muito tempo, o título de primeiro jornal – fundado e escrito por mulheres – foi creditado ao Jornal das Senhoras. Entretanto, Muzart (2003) descobriu a existência de um jornal fundado em 1833: o Belona Irada contra os Sectários de Momo (ou simplesmente, Belona) de Maria Josefa Barreto Pereira Pinto.
BELOMA
Sobre Maria Josefa e o Belona, Muzart (2003, p.229) diz:
“Ao escrever sobre várias escritoras do século XIX, estudei uma surpreendente mulher, raramente mencionada pelos estudiosos: Maria Josefa Barreto Pereira Pinto, que literariamente usava o nome de Maria Josefa Barreto, nascida em Viamão, Rio Grande do Sul, em 1775. Foi poetisa, escritora, professora e jornalista. […]. Casou-se em Rio Pardo, em 1800, […] o marido […], desapareceu para sempre, deixando esposa e um casal de filhos. Depois disso, como meio de subsistência, Maria Josefa fundou em Porto Alegre, inovadoramente, uma escola primária mista que ficava em sua própria casa. Esse seria o primeiro curso misto no país […]. Pode me ser argumentado que o jornal de Maria Josefa não fez escola, não teve a repercussão do de Juana Paula Manso. Isso é verdade. Mas temos de pensar que era um periódico fundado na província, com objetivos essencialmente políticos e que, nessa época, o que se passava nesse fim de mundo da Província de São Pedro realmente ali ficava confinado. À diferença do que era realizado na Corte!”
Hoje, o assunto é O Jornal das Senhoras que – diferente do Belona, de Maria Josefa – tem alguns de seus exemplares preservados. Temos a sorte de poder apreciá-los na Hemeroteca Digital Brasileira.
O JORNAL DAS SENHORAS
“Ora pois, uma Senhora a testa da redacção de um jornal! que bicho de sete cabeças será?”
O Jornal das Senhoras, 01 de janeiro, 1852, p.1
A argentina, naturalizada brasileira, Joana Paula Manso (1819 -1875) sabia de sua ousadia para os tempos e para o lugar onde vivia (no raiar de segunda metade do século XIX, no Brasil Império, mais precisamente, na cidade do Rio de Janeiro). Escrever em jornais algumas mulheres já faziam. Mas… Dirigir um jornal, fundar um jornal… Era novidade.
Joana criou O JORNAL DAS SENHORAS e foi a sua primeira redatora chefe. Quando deixou a redação do jornal – e retornou para a Argentina – foi substituída por Violante Atabalipa Ximenes Bivar e Velasco; a qual, após um curto espaço de tempo, transferiu essa função para Gervásia Numésia Pirs dos Santos Neves. O periódico semanal existiu até dezembro de 1855.
O Jornal das Senhoras trazia uma variedade de seções/assuntos: literatura, moda, música, questões sociais, teatro, crítica, folhetim, entre outros. Sua bandeira de destaque era a emancipação das mulheres; a qual – segundo as suas defensoras – somente poderia ser alcançada através de uma educação de qualidade para o sexo feminino: uma educação que não fosse menor que a pensada para o sexo masculino.
“Fazei a mulher com instrução igual ao homem e os vindouros falaram com respeito desta geração; eis o que é o verdadeiro progresso, aquele que tem de trazer os outros. Emancipai a mulher, mas não lhes deis a licença; porque a mulher tem tanto direito a procurar a sua subsistência como o homem (…)“. Colaboradora L. C. d’A – trecho de artigo datado de 24 de outubro de 1852.
Apesar da maior parte da população brasileira ser, na época, analfabeta, O Jornal das Senhoras, além da capital do então Império, também, se fazia presente em outras províncias (estados) do Brasil. Leitoras de diversas partes do território brasileiro participavam, ativamente, do periódico: colaboravam enviando textos e/ou traduções de suas autorias; trocavam correspondências com as redatoras ou, ainda, produziam matérias jornalísticas. O serviço de Correios era a ‘rede social da época’.
Para ter garantido o acesso ao semanário, era necessário uma assinatura. Essa previa o fornecimento desse por três meses. O valor recebido pela venda dos impressos e/ou assinaturas – podemos inferir – não era alto. Há registros que indicam o uso de recursos financeiros das redatoras para a manutenção do períodico. As questões financeiras, também, aparecem entre os elementos determinantes para as primeiras diretoras deixarem o impresso.
Lendo o jornal, percebemos que, ao longo do tempo, a defesa pela emancipação das mulheres, muitas vezes, em especial, na terceira gestão, vai ficando mais tímida. Seria isso devido aos obstáculos enfrentados pelas suas responsáveis? Talvez recuassem ou suavizassem os discursos em alguns momentos como estratégia para prosseguirem… Será? Mas se identificamos – o que parece – um abrandamento discursivo, também, há períodos, em especial, nos primeiros anos, onde encontramos artigos e cartas muito incisivos – para a época – na defesa da causa emancipatória feminina, em especial, quando o texto trata da instrução de mulheres.
O semanário pode ser entendido como um dos meios divulgadores dos considerados bons costumes e bons modos na nascente urbanização da sociedade brasileira; principalmente, na que estava baseada sobre a economia cafeeira. Não faltavam às suas páginas, partituras de música para as moças exercitarem-se ao piano, moldes de vestidos, dicas de bom tom social. Por vezes, lá estava a coluna ‘Pequenos Abusos’ com suas ferinas criticas aos deslizes da elite no universo da etiqueta.
Essas características podem nos auxiliar a entender como, mesmo portando ideias de emancipação feminina, esse Jornal fosse aceito como impresso apropriado para a leitura de moças e de senhoras e, portanto, tivesse acesso a vários lares brasileiros. Será que, apenas, moças e senhoras liam O Jornal das Senhoras?
Outra informação importante é, na época, a crescente idealização da mulher como uma educadora natural e o enaltecimento (e romantização) da maternidade. A primeira infância (do zero aos seis anos) e a educação inicial eram, por muitos, entendidas como responsabilidades das mães. Nesse sentido, havia o apoio de médicos, de juristas, de parte dos políticos e de outros ‘reformadores sociais’ ao pleito de uma instrução básica e de boa qualidade para o sexo feminino. Uma educação que fosse suficiente para o desempenho dessa função enaltecida como feminina: educar os filhos e gerenciar o lar, em prol da formação da – tão falada – modernização da sociedade brasileira.
Ao ler sobre O Jornal das Senhoras, por vezes, nos deparamos com a constatação de suas ambiguidades. Exemplo: dizer de emancipação feminina e defender o lar como o reino da mulher. Concomitantemente, analisando dados biográficos de suas redatoras e de parte de suas colaboradoras, nos deparamos com mulheres muito autônomas, considerando a época. Suas vidas, com certeza, não estavam bem enquadradas ‘nos moldes das rainhas dos lares’. Por fim, recordo: as perguntas que fazemos para as nossas antecessoras partem de nós, viventes do século XXI. As suas respostas – as suas vidas e as suas escolhas – estão nos contextos sócio-culturais, políticos e econômicos que vivenciaram.
Gostaria de ler uma entrevista da primeira diretora de O Jornal das Senhoras para Histori-se?

Vide < ENTREVISTA JORNAL DAS SENHORAS >.
Notas:
1. Inicialmente, o semanário tinha o nome “O Jornal das Senhoras”. Depois, passou a ser designado Jornal das Senhoras e, ainda, Jornal das Senhoras: Jornal da Boa Companhia.
2. Algumas fontes trazem Violante Ataliba Ximenes de Bivar e Velasco como a fundadora do Jornal das Senhoras. Entretanto, pesquisas mais recentes confirmam Joana Paula Manso de Noronha como a criadora desse semanário.
REFERÊNCIAS
Edições Do Jornal das Senhoras. Disponíveis [on line] na Hemeroteca Digital Brasileira. Acesso: janeiro de 2021.
LIMA, Joelma V. O Jornal das Senhoras, um projeto pedagógico: mulher, educação, maternidade e corpo (Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX). Projeto História, São Paulo, n. 45, p.397-403, dez 2012. Disponível em <Revistas PUCSP_2012 >. Acesso: janeiro de 2021.
MUZART, Zahidé Lupinacci. Mulheres de faca na bota: escritoras e política no século XIX. In: FLORES, Hilda Agnes Hübner (Org.). RS: cultura, história e literatura. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1996.
MUZART, Zahidé Lupinacci. Uma espiada na imprensa das mulheres no século XIX. Rev. Estud. Fem. , Florianópolis, v. 11, n. 1, pág. 225-233, junho de 2003. Disponível em <Revista Estudos Femin_2003 >. Acesso fevereiro de 2021.