Baby dormindo
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Educação e História da Educação
cuidando de crianças na creche
Imagem de Analise Art in Pixabay, 2022.

Creche: cristaleira para guardar crianças ou espaço de aprendizagem?

A interrogação acima pode parecer sem propósito; contudo, ela já me ocorreu várias vezes ao pensar creches e primeira infância. Portanto, compartilho  um pouco desses pensamentos e um pouquinho sobre a história das creches no Brasil.

Não tenho a intenção, aqui, de tecer um tratado sobre o tema.
Meu objetivo é, somente, apresentar algumas ideias.

Final do Segundo Império

A urbanização e o trabalho fabril são alguns dos fatores que levam ao criar das creches ou espaços de cuidados para as crianças de zero a seis anos.

De quais crianças de zero a seis anos?

Estou dizendo da infância de filhos de trabalhadoras e, em especial, filhos de operárias, embora não apenas.

Se a mentalidade da época dizia que as crianças deviam ser cuidadas e educadas por suas mães, também era evidente que nem todas as mulheres tinham condições de dedicarem-se, integralmente, aos cuidados maternais.

A solução para os cuidados dos pequenos – durante a jornada de trabalho materno fora do lar – foi importada da França.

Desde a primeira metade do século XIX foram criadas, na Europa, experiências de acolhimento e/ou de educação da primeira infância.

Um exemplo conhecido?
O jardim de infância pensado por Froebel.

O modelo francês

Para as crianças até os três anos de idade era pensada a creche. Para as crianças na faixa etária dos três aos seis anos era previsto a sala de asilo ( que – com o tempo – passou a ser denominada escola maternal).

A partir dos seis anos de idade pensava que a criança estivesse pronta para a escola elementar ou – infelizmente – para engrossar a turma dos trabalhadores infantis.

Brasil, década de 1870

Ao longo da década de 1870, no Brasil, foram criadas instituições visando atender a criança de zero a seis anos. Eram creches, maternais, jardins de infância.

Uma característica das creches era a não preocupação com a educação das crianças. Eram espaços pensados para a guarda e os cuidados dos pequeninos enquanto suas mães trabalhavam fora de casa.

As mães trabalhadoras fora do lar eram, em sua grande maioria, pertencentes às camadas menos abonadas ou carentes da população.

Era condenado que mulheres das classes alta e médias delegassem os cuidados de seus filhos pequenos para trabalharem em espaços para além dos portões de suas casas. Ás demais era tolerado, pois considerado inevitável.

As creches, também, foram entendidas como instrumentos para resolver a questão da infância abandonada. Para o senso comum, era a falta de perspectiva e de recursos para cuidar de seus filhos que levava mulheres a deixarem seus bebês nas rodas dos expostos ou abandonados em outros lugares.

Se essa, com certeza, era uma das fortes motivações, não era, entretanto, a única. Lembro que, mulheres filhas de famílias abastadas, também, deixaram recém-nascidos na roda de expostos.

A pobreza era um dos motivos para a existência das Casas de Expostos, mas não o único. Essas instituições seguiram existindo, ainda, em parte do século XX.

kindergarten ou jardim de infância
Imagem de Taken in Pixabay, 2022.

Se as creches não tinham uma preocupação com a educação infantil, o mesmo não podemos dizer dos jardins de infância.

Mas estes estabelecimentos eram acessíveis, somente, para quem contava com mais recursos financeiros, e mesmo assim, muitas famílias não os achavam necessários.

Creche, urbanização, industrialização e república

Esta é uma longa conversa.

Por hora, devo dizer que – mesmo com as mudanças na sociedade brasileira relacionadas aos processos de urbanização e de industrialização – a educação, ofertada às crianças de até seis anos de idade, a maior parte de sua existência, não foi alvo de grandes investimentos, regulações ou, ainda, fiscalizações.

Mesmo na Era Vargas?

Infelizmente, sim. Apesar de incluir, na legislação trabalhista, a obrigatoriedade da existência de creches para os bebês de trabalhadoras (enquanto os pequenos estivessem em fase de amamentação), de fato estas, raramente, foram criadas.

Filantropia e bandeira de movimentos de mulheres

A ação filantrópica foi, em grande parte, por longo tempo, a maior provedora de creches no Brasil.

Apesar de ser direito e necessidade de mães, assim como de suas crianças, creches seguem sendo bandeiras de movimentos de mulheres: há grande demanda por creches como lugares de segurança e de cuidados para os pequenos.

Pensando bem… creche deve ser, também, pauta masculina. Pelo menos, deveria ser.

Espaços pedagógicos

O pensamento que guiou a formação de creches no Brasil foi o assistencialista. Nesta concepção, as crianças deveriam ser cuidadas, higienizadas, nutridas. Deveriam passar o tempo sob vigilância. As trabalhadoras da creche eram cuidadoras (era um espaço de trabalho, em geral, feminino).

A creche – enquanto um espaço de aprendizagem – não era prevista. Seus pequenos frequentares não estavam entendidos como aprendentes. Portanto, é fácil constatar a ausência de uma consciência social do direito da criança à educação desde o seu nascimento.

Mesmo para as famílias, a necessidade cotidiana fazia que, muitas vezes, o ter uma creche onde deixar os filhos ser um privilégio, um favor e não algo de direito.

A primeira necessidade: ter onde deixar a criança sob cuidados enquanto trabalha.

Um sonho e uma luta

Creches são necessárias!

A demanda por creches continua.
Quando não há palanques eleitorais,  sua existência e qualidade escapam até dos discursos.
Mas elas continuam sendo pautas e necessidades para inúmeras famílias. 

A partir dos anos 1980, muitas mulheres lutam para valer o direito infantil à creche, também, enquanto espaço pedagógico.
Eu, venho sonhando com a creche enquanto espaço psicopedagógico.

criança pintada de giz
Imagem de Grae Dickason in Pixabay – 2022.

A cultura de assistencialismo na educação infantil embaça caminhos para a construção de uma identidade calcada no seu valor possibilitador de sujeitos competentes e autores em sua aprendizagem e, por extensão, em sua vida.

Não é negando essa face e sua história que construiremos uma nova realidade, apesar de muito já termos avançado.

Na verdade, é necessário o reconhecimento desse processo histórico, dos pensamentos a ele relacionados e das forças que nele atuaram para encontrarmos novos horizontes e alternativas aos discursos assistencialistas estabelecidos, entendendo que educação infantil é, sempre, a convergência do cuidado com a educação. 

Em nosso país, Brasil, a creche não foi idealizada em função de uma sociedade mais igualitária e sim como uma das forças mantenedoras do status quo.

A ação filantrópica foi – e é  – essencial para amenizar o custo social imposto por uma sociedade excludente.

Pensando na educação infantil cabe os versos “Você tem fome de quê?

Abrigo, saúde, alimento, higiene, sono são fundamentais; contudo há a necessidade que junto a esse conjunto esteja uma práxis educadora que sonhe espíritos livres.

O dar o pão sem possibilitar a compreensão – sobre o seu ciclo de produção e sobre a sua importância – não contribui para um sujeito autônomo.

Aquieta lhe a fome, mas não o permite criativo.

A criança é o hoje.

A criança é um sujeito único.

E desde o seu nascimento está inserida num contexto socioeconômico e cultural, do qual não está alheia.

Compreender a importância e a grandeza das experiências infantis é um dos passos para reconhecer meninos e meninas como riquezas da sociedade. Espelha-se na beleza de encantar-se por suas singularidades.

O cotidiano da educação é uma dialética infinita de aprender e ensinar que acontece no reconhecimento e no olhar do outro e para o outro.

Esta pauta, educação infantil e creches, é imensa. Aqui, deixo, somente, algumas reflexões e informações.
Continuamos pensando sobre este importante tema.

Tema que esteve nos palanques de eleições passadas.
Com certeza, estará nos que agora estão sendo planeados.

Cabe a nós, lembrar que discursos e promessas não bastam.

Queremos ações práticas e consoantes com as demandas de cada comunidade, com os direitos das mulheres e, em especial, com os direitos e com a necessidades das crianças.

marca Histori-se

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