Duas mulheres conversam. As duas vivem na América do Sul, entretanto, uma vive no século XXI e a outra vive no século XIX. Como isso aconteceu? Mistério... Confira e entenda o que Joana compreende como fundamental para a emancipação das mulheres. Aproveite para ler uma publicação de O Jornal das Senhoras. Sabia que pode consultar edições de O Jornal das Senhoras na Hemeroteca Digital Brasileira?

HISTÓRICA

Joana Paula Manso de Noronha: criadora e primeira editora de O Jornal das Senhoras

Nossa colaboradora vive no espaço tempo Rio de Janeiro, século XIX e diz ter a luta pela emancipação feminina como uma missão de vida. Joana é uma mulher instruída, jornalista, professora, criadora do jornal O Jornal das Senhoras e defensora da educação feminina. Histori-se fez uma pequena entrevista com essa distinta senhora.

DO SÉCULO XIX PARA O XXI

CONVERSA DE MULHERES

  • Histori-se  – Boa tarde! Obrigada por responder nossas perguntas.
  • Joana– Obrigada eu.
  • Histori-se  – Importa-se de dizer quando nasceu e o motivo de viver no Rio de Janeiro?
  • Joana – Quantas perguntas! Eu nasci na Argentina, dia 26 de junho de 1819. Quando aconteceu a ditadura de Rosas, minha família partiu para o exílio. Acabei vivendo no Rio de Janeiro (Brasil).
  • Histori-se  – Casada? Solteira?
  • Joana – Casada, mas hoje estou separada. Penso em voltar para a Argentina…. Tenho duas filhas.
  • Histori-se – Se retornar para a Argentina, qual será o destino do Jornal das Senhoras?
  • Joana – Não se preocupe. Tenho competentes colaboradoras comprometidas com a causa da emancipação feminina. Acho que a Violante assumiria o Jornal.
  • Histori-se –  As mulheres são frágeis?
  • Joana – São. A mulher, tal como o Criador a formou [é frágil]. Fraca e frágil como a humanidade inteira; porque a humanidade não é o homem só – nem a mulher só.
  • Histori-se – Então o homem é frágil?
  • JoanaComo a humanidade inteira.
  • Histori-se – O que a senhora defende como a emancipação da mulher?
  • Joana – Como existe a consciência, como existe o Eu – porque pensamos e existimos – a Emancipação moral da mulher é, pois – deixar de ser Coisa, para ser Mulher tal como o Criador a formou.
  • Histori-se – Pode explicar a mulher tal como o Criador a formou?
  • Joana – Como dizia… A mulher, cultivando sua inteligência; porque é esse o destino de toda a potência intelectual. Mulher que possa, no conhecimento exato dos seus deveres, encontrar a força moral que a preserve na ocasião de subscrever [aceitar] a infames humilhações. Mulher que possa encontrar, na sua educação, recurso honesto contra a opressão, contra a crápula [indignidade/torpeza], e contra a miséria.
  • Histori-se – Em uma palavra, como a senhora define Emancipação Moral das Mulheres?
  • Joana – No meu limitado entender, é sua ilustração (conhecimento/educação).
  • Joana – Agora tenho que ir…
  • Histori-se – A senhora sabia que hoje, no século XXI, temos mulheres soldadas, médicas, funcionárias públicas, ministras, advogadas, oficiais da Marinha? Tivemos até uma mulher eleita à Presidência da República!
  • Joana – Menina! Nossa! Eu bem dizia que não queria mulheres soldadas, médicas e outras funções, no meu tempo, masculinas… Mas imagina se eu defendesse isso! Teriam me condenado à fogueira da inquisição! Mas como é que isso funciona?
  • Joana – Pena ter que ir… Gostaria de saber mais sobre o que conseguimos. Saber sobre o que, ainda, precisamos lutar para alcançar a emancipação das mulheres e, consequentemente, melhora da humanidade. O Brasil é uma república? Sabia que tentei estudar medicina? Pena ter que ir…
  • Histori-se – Temos tanto para conversar…
  • Joana – Essas janelas do tempo têm curtas e rápidas aberturas. Pena ter que ir.
  • Histori-se – Senhora! Por favor, não esqueça o texto para a primeira edição de Histori-se.
  • Joana – Mudei de ideia. Não deixarei o texto que havia prometido. Depois dessa curta entrevista, seria bom que publicasse a resposta que redigi ao Homem. Está na edição do dia 08 de fevereiro de 1852. Hoje, dia 08, é o aniversário de sua irmã. Transmita meus votos de felicidades para Isaura.

NOSSA ENTREVISTADA ESTAVA MUITO ELEGANTE

Diante de tão ilustre visita, esqueci de pedir uma fotografia. Deixo aqui um dos modelos publicados no ano de 1852, nas páginas de O Jornal das Senhoras, para terem uma ideia de como estava elegante a nossa entrevistada. Acho que sentia um pouco de calor…

O Jornal das Semhoras. Tomo I, 10 de fevereiro de 1852, edição 0005.

DOCUMENTO

Joana nos conta que recebeu duas cartas assinadas como Homem. Apesar de não ter o costume de responder mensagens anônimas, ela publicou uma resposta ao Homem na edição de O Jornal das Senhoras datada de 8 de fevereiro de 1852.

Será que a janela do tempo foi aberta por eu estar escrevendo sobre ela e seu periódico no dia 8 de fevereiro de 2021? Mistério…. Segue a colaboração de Joana.

REPOSTA

 da Redactora em Chefe do Jornal das Senhoras à carta publicada em primeiro domingo de Fevereiro assignada – O Homem.

“Antes da publicação do 2° numero do JORNAL DAS SENHORAS recebi com effeito uma carta assignada – O Homem.
Atacavão-se nessa carta ideias que ainda não tinhão sido expostas por mim, chamavão-se subversivas as doutrinas, que ainda não tinhão visto a luz publica.
Dava-se-me a descripção orgânica e material da mulher, e promettia-se-me para adiante descrever-se-me a mulher intellectual, uma vez que eu acolhesse com agrado as reflexões que si me fazião.

Como essa carta me fosse dirigida privativamente, julguei-me exonerada de responder; em primeiro logar porque, sendo as doutrinas do homem muito repulsivas para mim, não sei porque motivo havia de procurar uma contenda, que tem todos as visos de uma tentativa de conversão.

A lucta que intentaes travar commigo é a mesma que principtou com o mundo: eis as palavras de Michelet:  “ Com o mundo começou uma lucta que só com o mundo mesmo acabará: não antes: a dos homens contra a natureza; a da liberdade contra a falalidade”.

Nada de novo tínheis a dizer-me, nada de novo tinha eu a responder-vos.
Vos pertenceis a escola materialista, absolutista e inimiga do progresso do gênero humano.

Eu pertenço desde minha mais tenra mocidade, á propaganda humanitária e progressista.

Somos pois dois antípodas que, combateríamos até ao rancor, sem chegar a entender-nos porque nenhum de nos pode deixar de ser o que é.
Eis pelo que me respeita a vossa primeira epistola.
Vamos á segunda:

Sois modesto por demais senhor, em suppordes que minha declaração, sobre a emancipação da mulher, me fosse arrancada pela vossa carta; […]; vossa carta em comparação á obra colossal a que me tenho proposto, é apenas mais um espinho na carreira perigosa que emprehendi, há dez annos!

Dizeis que deveríeis ficar satisfeito de terdes feito recuar as minhas ideias e contradizer o que eu já tinha avançado n’outros ns. do meu Jornal, firmando o principio de sujeição phjsico e moral da mulher para o homem.

As leis da urbanidade não consentem que eu responda a esse período da vossa carta como elle merece ser contestado; pois que me calumniais senhor, sem conhecer-me; comparastes-me a esses entes sem consciência que especulam com sua intelligencia, ou pensaste que por ser mulher recuaria espantada e não teria ideias min as!

Sois vós por ventura, o único materialista que pugna contra a natureza, contra a vontade do Creador, e que suppõe parar a roda incessante do progresso humano?
De certo que não!
Por ventura noventa anos de guerras religiosas puderão afogar no seu mar de sangue as LIBERDADES DA CONSCIÊNCIA?

Cada liberdade conquistada pelo povo quantos rios de sangue lhe não custou!!

Pensaes que estou muito assustada?
Eu esperava encontrar um oppositor ás minhas doutrinas, e como isso me dá pouco abalo, eu irei avante, segura de preencher uma santa missão, e com toda coragem do verdadeiro apostolo da verdade. […].

Confessai que se tivesse á vossa disposição as torturas e as fogueiras da inquisição já eu tinha provado: o fogo, – a água – a cadeira, o potro, os anneis, e por fim estava a esta hora carbonizada. E porque?

Por que considerando o matrimonio, não como uma venda infamante do corpo e da alma da mulher , dessa a quem Deus tanto destinguiu fazendo della a Mãi, porque considerando o matrimonio simplesmente como um contrato social, quis que a mulher entrasse no gozo de seus direitos, que a bondade de Deus lhe doou, e que o estúpido egoísmo do homem lhe nega!!!

Vós fallaes, senhor da China e da Turquia mas esquecestes que é o Brasil o único logar da América e da Europa, onde a maior parte das mulheres são domesticamente tyranisadas! Onde vegetão como a planta, onde sua intelligencia é quase sempre considerada como um crime, e donde, se levantássemos o véo mysterioso que encobre a sociedade, recuaríamos espantados!

E de que valem, senhor, essas prendas feminis com que adornaes a mulher para condemval-a mais tarde ao mutismo? […]

Quanto mais civiisada estiver a sociedade, mais largo será o círculo das profissões que pode exercer a mulher; porque menores e mais raros serão os preconceitos que lhe tolhem os caminhos da industria e da intelligencia, e os recursos que a subtraem á miséria, ás privações e as mais das vezes á perdição.[…].

Invertestes senhor, as minhas palavras e ousastes prevalecer-vos da vossa mascara, para levar o sarcasmo e o rediculo, onde nunca encontrarão os espíritos rectos outra coisa; que a moral mais pura e os conselhos mais prudentes.

Não vos concedo, senhor, que saiba o que seja AMOR […]. Para vos a mulher é uma – maquina de propagação.  ­- Não é esposa, – não é mãe; porque lhe negas o que Deus lhe concedeu.
– Sentimentos e intelligencia.

Dizeis até que injurio a sociedade porque o chistianismo reabilitou a mulher.
E de que serve que Jesus de Nazareth escrevesse na sua bandeira:
Liberdade – Fraternidade – Humanidade?
Como forão recebidas as doutrinas do Joven Mestre de Nazareth?
Suas proposições forão tidas como horríveis, perniciosa, subversivas, etc., etc. E por fim o arrastarão á cruz do martyrio! […].

Esquecestes […] as fogueiras da inquisição não podião ser interpretes das três bases do Christo – Liberdade – Fraternidade – Humanidade? […].

Estamos no fim da nossa peleja senhor.
Acabaes como principiastes.
Fulminaes o meo Jornal, e o exilaes do seio das famílias […].

A mulher conhece quando é tyranisada,
tem consciência do que sente,
não se revolta, porque vive como cativo carregado dos ferros da oppressão.

Revoltae-vos contra Deus, senhor, e perguntae-lhe porque deu alma á mulher, porque lhe deu pensamento, porque a fez igual ao homem, porque a fez sua companheira, se os instintos ferinos do homem bruto querem apenas a realisação de seus desejos!
Acuzae a Deus, não a mim.
[…].
Agora que ass´s vos tenho demosntrado […] que não tenho medo, e que  sei argumentar, previno-vos que não responderei nem directa, nem indirectamente, ás vossas cartas debaixo da assignatura do anonymo.

Eu combato com o meu nome á frente da redacção do JORNAL, e estou no meu direito exigindo que assim pratiqueis; porque vossa pública assignatura me servirá de garantia, do que a mais estricta urbanidade será observada nas nossas polemicas, e que eu não terei por tanto de arrepender-me de haver enccetado a lucta desigual d’aquele que peleja a rosto e a peito descoberto, contra um inimigo armado e defendido pela mascara do incógnito.
Se assim o quizerdes, até outra vez.

Joana Paula M. de Noronha
8 de fevereiro de 1852

Página de O Jornal das Senhoras

Leia o documento (REPOSTA) na íntegra e toda a edição do dia 08 de fevereiro de 1852 em < O Jornal das Senhoras_08 de FEV 1852 > Acesso: março 2021.

 

AUTORA

AUTORA: Patrícia Rodrigues Augusto Carra. Editora de Histori-se

Dados para citar este texto:
CARRA, Patrícia R. Augusto. HISTÓRICA – Entrevista com a  criadora Do Jornal das Senhoras. Histori-se, Porto Alegre, março 2021. Disponível [on-line] em < https://historise.com.br/historicas-entrevista-com-a-criadora-do-jornal-das-senhoras/>

REFERÊNCIAS:

  • O Jornal das Senhoras. Rio de Janeiro, 25/01/1852, página 27. Vide em < O JORNAL DAS SENHORAS_ed 04  > Observação: o texto da entrevista foi idealizado a partir de publicações presentes nessa edição.
  • O Jornal das Senhoras, edição disponpivel on -line em O JORNAL DAS SENHORAS_ediç 1 Acesso em janeiro de 2021.

 

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