Então, porque faltou luz, fomos, eu e a mãe, para o pátio, ver a extensão do problema. A luz tinha faltado em toda parte. A praia inteira às escuras. E aí, como talvez aconteça sempre que algo falta, algo sobrou. A escuridão de tudo ao redor projetou um céu como, há muito, eu não via. Dava pra ver o mar. A espuma das ondas estourando. A lua, a nuvem, estrelas próximas e distantes.
Foi um encantamento no meio do breu desse tempo sobre o qual, já me dei conta, ainda não consegui escrever, eu imóvel diante do assombro de tudo. Tenho andado assim: trabalhando muito, escrevendo um pouco, tentando tocar coisas que nem sei mais onde tangíveis, o mundo ele todo uma outra coisa.
Mas, de repente, isso. Uma oferta de noite. Uma outra perspectiva. Uma lua me dizendo, ao mesmo tempo, que as coisas em que quase não se repara por terem sempre estado ali (a noite, o mar, as marés), essas nos sobreviverão. A todos nós. Entender o quanto isso é simples e o quanto isso é grande é organizador. Eu intuo, mas não entendo. Ou entendo: mas só de vez em quando. Mas só se me chegam algumas coisas: um verso do Manuel de Barros ou os dedos da Mônica Salmaso fazendo soarem levemente palitos de fósforo em uma caixa. A lua na noite escura, atrás das nuvens, na noite fria, enquanto olho o céu ao lado da minha mãe.
Para isso, se vive. Para isso, se vive, mesmo que o tempo seja um não.
29/07/20
A AUTORA