Cantinho da Tati
O que se passa pela sua cabeça quando falo a palavra “MODA”?
Proteção, estética, futilidade ou beleza? Ou, quem sabe, talvez, roupas, desfiles, tendências, passarelas e modelos?
Por vezes, ela pode soar ora superficial, ora necessidade básica.
Mas o que muitos não pensam é que ela é apenas um dos maiores mercados que movem a economia do mundo.
E, em uma escala global, ela atinge, em sua grande maioria, mulheres.
Para que uma ideia vire proteção ou estilo no seu corpo, é necessário que uma equipe de muitas pessoas faça uso de sua criatividade, habilidade manual, tempo, desgaste físico e mental, sendo elas costureiras, modelistas, estilistas, cortadoras, enfestadeiras e passadeiras.
Felizmente, o mercado da moda não é só sobre produzir roupas e acessórios de desejo, é também sobre estudar e impactar no modo como vivemos ou iremos viver. Para isso, é necessário pesquisadores, consultores de estilo, produtores de moda, figurinistas e designers gráficos, entre outros profissionais.
O MERCADO DA MODA
O mercado da moda é imenso, impacta tantas pessoas, produz tanto produto no mundo, e, por vezes, eu me pego pensando se ele pode ser, em algum nível, sustentável.
Com esse questionamento pessoal, convido você a observar a peça de roupa que você está vestindo agora, imagine tudo o que ela pode ter passado para chegar até você.
Permita-se criar essa esteira de produção imaginária desde a colheita ou extração da matéria prima ao seu roupeiro.
- Quantas pessoas foram envolvidas nesse pedaço de tecido?
- Quantas pessoas ela poderá vestir depois de você descartá-la?
- Qual será o seu fim: lixões, aterros sanitários ou composteiras?
Bem-vindo ao processo mental do qual tenho vivido há 6 anos.
Confesso que, além de refletir sobre todo o impacto gerado, penso também em como chegamos até aqui, e, com isso, percebo que nos transformamos em uma sociedade baseada no consumo.
Saciamos insatisfações, ansiedades, trocas e desejos por uma mera compra. Podemos olhar para décadas passadas, quiçá séculos, e veremos que o estilo de vida era outro e, embora a quantidade de consumo pudesse ser proporcionalmente similar, os produtos certamente possuíam uma qualidade superior, fazendo com que o tempo de vida dele durasse por muito tempo.
Obsolescência Programada
Se você lembrou no tanto de roupa íntima que “jogou fora”, no tanto de camiseta que passou adiante e no tanto de meia calça que rasgou, bom, então, você chegou no ponto onde quero chegar.
Esse processo tem nome e se chama Obsolescência Programada, onde o produto é feito para durar menos, vira obsoleto, pois, assim, você o substituirá por uma nova compra. Deixo aqui um documentário caso você queira se aprofundar mais no assunto: < Obsolescência Programada >.
Com a vida corrida, a falta de consciência dos nossos hábitos de consumo, o índice de crescimento e evolução da sociedade baseados em números, ou seja, no PIB, a moda e outros mercados fizeram uso da obsolescência programada sem nem pensar nas consequências que isso poderia causar no meio ambiente e nas pessoas envolvidas na engrenagem desse processo.
Isso tudo porque os preços cada vez mais baixos foram se tornando competitivos e, por sua vez, mais atrativos ao consumidor, assim como as matérias primas para tais produtos foram sendo escolhidas para causar desejo, conforto e descarte acelerado.
Essa engrenagem se tornou perigosa, uma vez que viciou o mercado da moda a se tornar cada vez mais rápido e sem consciência sobre esses atos.
Imagine
Imagine que você está em uma loja e compra uma camiseta, talvez, porque esteja precisando ou, possivelmente, esteja desejando mesmo. O que você observa primeiro?
O estilo, o corte, o preço, a cor, a qualidade, a matéria prima? Dependendo do que induzir você a essa compra, poderá refletir o nível de impacto sustentável que esse consumo pode gerar.
Compreenda que, para uma simples camiseta ser vendida a R$49,90, é necessário que os custos de produção dela sejam em torno de 19 reais, sendo eles representados por mão de obra, matéria prima, detalhes e aviamentos, logística, imposto, custos administrativos e lucro.
Não é preciso fazer cálculos minuciosos para perceber que, em algum lugar desse custo, alguém está ganhando pouco, para não dizer, pagando para trabalhar.
Além disso, tendo na composição da matéria prima insumos provenientes do petróleo, além do impacto da extração desse recurso não renovável, o descarte dela no solo impactará ambientalmente nosso planeta.
Quero trazer também um outro viés de consciência: imagine que o tecido da sua roupa foi fabricado em um país oriental, além da produção da matéria prima, há um impacto no transporte dele até o Brasil.
A roupa, que, por muitas vezes, é de baixa qualidade e pode muito bem fazer parte de uma tendência de moda passageira, será repassada para outros guarda-roupas até ir parar em aterros sanitários. Muitas dessas peças acabam sendo descartadas em países na Ásia ou da África para que sejam utilizadas ou vendidas, impactando também a economia e a cultura local desses países.
As implicações para uma moda ser sustentável ou não
As implicações para uma moda ser sustentável ou não são inúmeras e o que desejo com esse espaço é trazer luz sobre um assunto tão complexo e cheio de vícios de muitos anos.
Consumo e produção com cautela socioambiental
Trago a moda como o foco, mas a verdade é que esse assunto é tão urgente em tantos mercados que toda reflexão e consciência gerada em todos nós poderão gerar mudanças e impactos positivos no mundo.
Há um documentário que traz imagens, falas e dados das consequências dessa moda que induz ao consumo exacerbado e a produção sem cautela socioambiental, ele se chama The True Cost, e é sempre a melhor porta de entrada para esse universo. Mergulhando na moda e compreendendo que uma única peça de roupa pode gerar tantos efeitos no nosso planeta, das atuais às futuras gerações, impactando economias e culturas locais, além de criar subempregos e mãos de obra desvalorizadas.
Uma única compra tem consequências enormes e quanto mais nos conscientizarmos sobre elas, mais depressa iremos curar os danos causados no planeta até agora.
Então, para ajudar você a fazer melhores escolhas na moda, deixo aqui uma lista por onde começar:
- Organize, reveja e cuide de tudo o que você já possui.
- Não se aposse de algo que não esteja mais usando, mas saiba que essa doação é um descarte de algo que, talvez, não tenha sido bem consumido no passado.
- Se desejar um conhecimento mais a fundo sobre a moda, peça auxílio para uma pessoa que entenda, ela poderá auxiliar você com as cores e os modelos que valorizam a sua beleza.
- Tenha consciência das suas curvas, da sua proporção de corpo e principalmente da sua beleza. Não se compare jamais com o que outros citam como belo.
- Busque não usar o consumo como forma de compensação. Não entre em lojas online ou no shopping se você não estiver se sentindo bem, pois essa compra será mal pensada, um tanto quanto ansiosa e possivelmente dinheiro posto fora.
- Questione a origem da matéria prima e não aceite poucas informações como resposta. Até porque, acima, você tem todas as dicas do que essa empresa poderia e deveria estar fazendo.
- Não compre de primeira se a marca disse que aquele produto é sustentável. Pergunte, pesquise sempre.
- A roupa mais sustentável é sempre aquela que já existe.
- Busque alternativas de consumo, como brechós, bazar de trocas entre pessoas ou crie o hábito de trocar entre amigas.
- A sua compra é um voto, um apoio para aquela empresa prosperar. Por isso, lembre-se onde você vai depositar seu voto.
- Se for comprar roupas novas, lembre-se sempre de empresas locais, nacionais e humanizadas. Elas fornecerão não só a roupa, mas também acesso a mais informações e reparos caso algo aconteça.
- Se não tiver condições financeiras de apoiar uma empresa pequena, entre em contato e converse com quem produz. Sempre pode haver uma opção mais viável.
- Opte sempre por marcas nacionais.
- Faça uso dos 5R: repense, recuse, reduza, reuse e recicle.
- Não se cobre pelo seus hábitos de consumo do passado, eles muito possivelmente ocorreram por pressões sociais e estéticas, que, talvez, você nem tenha percebido. O que importa é que, hoje, você já possui informações e ferramentas para fazer melhores escolhas. Abuse delas e adicione mais informações nesta lista, caso amplie esse conhecimento para além do que estou trazendo.
Se você trabalha no mercado da moda, essas são algumas dicas que tenho para você:
- Saiba que você tem uma grande responsabilidade nas mãos, comece pensando que toda a cadeia importa da fibra ao final de vida do produto.
- Pense em como aquele tecido ganhou vida, ele é proveniente de recursos limitados e que degradam o meio ambiente?
- Como posso criar algo que tenha estética (design), qualidade e durabilidade, para não provocar um descarte rápido por conta do consumidor?
- Quem está produzindo essa roupa?
- Quais as condições de trabalho? Quanto essa pessoa receberá pela hora trabalhada? É justo esse valor? Na questão da remuneração, gosto sempre de inverter os papéis para a reflexão chegar na empatia.
- Consigo vestir todos os corpos ou minhas criações se limitam a pessoas com padrões estéticos exigidos pela sociedade?
- Depois do final do ciclo de vida desse produto, qual a melhor forma de descartá-la?
- Quanto tempo aquela matéria prima e aqueles aviamentos irão permanecer no planeta?
- Que tal informar o consumidor sobre qual o melhor fim a sua criação pode receber?
- A sua empresa trabalha com gestão de resíduos e logística reversa? Pensa em implementar ambos? Que tal criar esse programa? Seja você o ponto de retorno para que sua produção ganhe um destino correto.
- De onde vem a matéria prima e qual o impacto para ela chegar até você? Qual foi a pegada de carbono que gerou? Ela atravessou o oceano de avião ou navio, ou já foi produzida 100% nacionalmente e transportada de caminhão?
- A sua criação se apropria de alguma cultura externa ou tem identidade nacional e própria?
- Pense na quantidade de produtos que irão ao mundo. Sabemos que toda empresa quer crescer financeiramente, mas planejamento sem excesso é, embora complexo, ideal.
- A sua moda foca em uma cultura de consumo exacerbado ou faz uso desse mercado para gerar ações para além da compra, como conhecimento, inspiração, conexão?
- Quanto de recursos naturais limitados sua empresa utiliza nos processos, embalagens e afins?
Além de vestir pessoas, você tem uma ferramenta de conscientização e transformação maravilhosa, faça bom uso dela para que a sustentabilidade chegue até mais pessoas.
- Jamais utilize o seu poder de marca para se dizer sustentável se não estiver trabalhando fortemente dentro da organização os pilares.
Toda consciência exige um pouco de nós, desde mudanças de hábitos (que, por vezes, estão tão enraizados que mal percebemos), até nos darmos conta de que uma simples compra pode ter inúmeras camadas de verdades e impactos.
Por isso, tomar conhecimento sobre esse tema é tão urgente. Sabemos que ninguém quer ir até a floresta amazônica tacar fogo, ou manter mulheres em situação análogas à escravidão costurando nossas calças ou, então, deixar crianças no Quênia passarem fome, porém precisamos urgente termos consciência como seres humanos de que toda escolha gera impactos, eles podem ser positivos ou negativos.
O que desejo no mercado?
O que desejo no mercado como um todo é que ele seja regenerativo, que respeite as pessoas e o meio ambiente, que ele seja transparente, empático e justo. Que seja plural e acolhedor, que reforce a nossa cultura e que principalmente crie futuros desejáveis para as próximas gerações.
E você? O que deseja para o mercado?
A AUTORA
Tatiana Stein
- Visite o Cantinho da Tati e aprecie outros textos e reflexões: < Libertador >; < Sustentabilidade: como adiar o fim do mundo e sermos melhores ancestrais do amanhã? > e < As pessoas, a cultura e o feminismo >.
Créditos das imagens presentes neste post:
- Imagem de Angel Glen in Pixabay_2021.
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