Maria Felipa - representação
Representação de Maria Felipa. Não há retratos dela. Arte Histori-se. Imagem original disponibilizada no Canva -2022.
Historieta conta e Histori-se entrevista.
Historieta conta

Tempo estimado de leitura: 8 minutos.

Mascote de Histori-seANTES DA ENTREVISTA, UMA BREVE INTRODUÇÃO

Era 02 de julho de 1823.

Uma tropa composta de homens e mulheres chegou, aos poucos, à capital da Bahia.

A maior parte de seus integrantes não ostentava um uniforme, estava sofrida.
Suas roupas desgastadas, muitos nem calçados estavam.

Quem era a tropa maltrapilha que chegou a Salvador?

Era o chamado Exército Libertador Brasileiro.

marca Histori-se

 A separação do Brasil de Portugal planeada com Dom Pedro nunca foi a única fórmula idealizada.

Um grande império composto por todas as unidades do então Brasil colonial era incerto.
Não penso adequado dizermos de sentimento de identidade nacional naquela época.

Se pensarmos, apenas, nas elites presentes no Brasil da época, já podemos perceber a não existência de um único projeto de nação independente.

Percebemos, também, a presença de discordâncias quanto à separação (ou não) das Cortes de Lisboa, seja ao longo de todo o processo que culminou na separação do Brasil de Portugal, seja em parte desse mesmo processo.

marca Histori-se

MULHERES NA GUERRA DA INDEPENDÊNCIA DA BAHIA

Várias foram as mulheres que estiveram presentes nos conflitos pela Independência na Bahia.

A maioria é anônima ou esquecida pelas narrativas históricas.

Lembramos, neste post, três dessas mulheres:
Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica.

Heroínas da independência
Desenho e arte: editora de Histori-se

Sobre Maria Quitéria, veja o postUma transgressora justificada >.

Maria Quitéria
Arte Histori-se. Imagem: “Uma soldada da América do Sul” – Augustus Earle. Aquarela, 1823.

 Maria Felipa ou Maria Filipa

Maria Felipa era uma mulher negra, alta e liderança na sua redondeza.

Maria Felipa - representação
Representação de Maria Felipa.  Arte Histori-se. Imagem original disponibilizada no Canva -2022.

Alguns relatos dizem que era alforriada, outros dizem que nasceu livre e que sua mãe havia vivido a escravidão.

Ela vivia da pesca e da atividade de marisqueira na ilha de Itaparica e lutava capoeira.

Ao longo dos conflitos pela independência, comandou um grupo de homens e de mulheres que incendiou cerca de 40 embarcações portuguesas ancoradas nas praias da ilha.

Mas, além das embarcações destruídas, o grupo sob o comando de Felipa, também, vigiou as praias para dificultar qualquer desembarque de tropas inimigas e, ainda, enviou  alimentos para os que lutavam nas forças em prol da independência brasileira, as quais seriam denominadas: Exército da Libertação.

É Maria Felipa quem nos conta sobre a Guerra de Independência na Bahia.

Arte: editora de Histori-se
marca Histori-se
HISTÓRICAS

Janelas dos Tempos

Maria Felipa e a Independência da Bahia
ENTREVISTA

Nossa conversa aconteceu em uma das praias da Ilha de Itaparica.

Como?

Em uma fenda do tempo, digamos assim…

Eu vivo no século XXI.
Ela no século XIX.
Quando nos encontramos, ela vivia o ano de 1824.

Caminhando perto da praia, encontrei Maria Felipa jogando capoeira.

Logo, ela veio para nossa entrevista.

__ Patrícia, de Histori-se?

__ Sim. E você, Maria Felipa, líder das marisqueiras e heroína da guerra da Independência?

Ela riu.

Conversamos um pouco e resolvemos passear pela praia.
Ela me mostrou onde, junto com outras pessoas sob sua liderança, afundou barcos portugueses.

Contou como vigiavam a praia e sobre a trincheiras que cavaram.
Lembrou que cuidou de feridos nas batalhas.

Confira um trecho de nossa conversa.

Maria Felipa:

__ Aqui era uma parte importante para a resistência aos portugueses.

Histori-se:  __ Por qual motivo?

Maria Felipa:

  __Se os portugueses conseguissem controlar a Ilha de Itaparica, conseguiriam o controle da Baia de Todos os Santos e reforçar a cidade de Salvador com tropas, alimentos e munições.

Esses tempos foram difíceis.

Histori-se:  ___Pode explicar para nossas leitoras como e por qual motivo começou essa guerra?

Maria Felipa:

Quando teve a Revolução do Porto lá em Portugal [1820], muita gente achou que poderia acontecer mudanças boas para si e os seus.

Eu não confiei muito… Não achei que fosse mudar muita coisa para nós, o povo trabalhador, o ‘sem eira e nem beira‘.
Mas era grande ‘o disse e não disse‘.

Eles falavam que o rei de Portugal assinou uma Constituição e que as províncias brasileiras mandariam seus representantes – os deputados – para participar da feitura das novas leis.

Histori-se: ___ Então de início … A província da Bahia não pensou em separação da Coroa Portuguesa?

Maria Felipa:

___ É… No começo, a ideia de que a revolução dos portugueses era com ideias que tinham lá na Revolução Francesa deixou muita gente otimista. Eu não acreditava muito…

Veja! Muitos dos meus amigos são escravizados.
Acha que terminar com a escravidão seria fácil?
Muitos dos que estavam apoiando a Revolução Liberal de Portugal são donos de escravos.

Histori-se:  ___ Entendo. Mas, você é uma heroína da Guerra pela Independência. Por que lutou?

Maria Felipa:

___Duas coisas:

  • Cada um tinha o país livre e as mudanças que gostaria na sua cabeça.
    Com certeza, as leis que estão fazendo não são as que eu quero. Para mim, teria que haver mais mudanças.
  • Outra coisa importante de dizer: essa guerra atingiu o dia a dia de todo mundo aqui.
    Uma onda de violência e insegurança fez que eu tivesse que escolher um lado: o lado dos meus amigos de lida, de festejos e de dores.

Histori-se: ___ Conte como tudo aconteceu.

Maria Felipa:

____ Aqui, na Bahia, a gente era uma carestia só e havia muito ressentimento em relação a monopólios e privilégios de portugueses.

Lá, em Portugal, foram convocadas as Cortes, que é um Parlamento.

Mas os deputados brasileiros viram que não eram considerados e essas notícias logo chegaram aqui.

Ao mesmo tempo, as novas ordens das Cortes logo deixaram tudo muito claro: queriam era mais controle para as províncias do Brasil. Não queriam aos brasileiros como iguais.

Por aqui, as coisas ficaram quentes… Portugueses e partidários de Portugal passaram a ser  mais hostilizados e, também, a hostilizar. Tenso, muito tenso.

Se os mais bem postos se estranhavam, os do povo acabavam sendo, também, envolvidos nessas escaramuças.

Salvador virou um barril de pólvora com brigas e muita insegurança. E veio o estopim…

Histori-se: ___ Conte mais. O que foi o estopim?

Maria Felipa:

____ A província é governada por uma Junta Provincial e um governador de armas.
O presidente da Junta e o Governador de armas são nomeados pelo rei.

Dom Pedro nomeou, para Governador de armas, o brasileiro Manuel Pedro.
Pouco depois, veio a notícias: as Cortes nomearam – para a mesma função – o tal de Madeira de Melo, um português.

Histori-se: ___ Governador de armas é o mais alto cargo militar da província?

Maria Felipa:

___ Isso mesmo.

Se antes disso, já estava tudo tenso… ficou pior.

No início de fevereiro (1822), acho que no dia 14, Salvador começou em guerra desde cedo.
Os partidários do português contra os de Manuel… Foi muita violência.

Violência de todos os lados!
Acho que mais de cem pessoas morreram nesse dia, inclusive a madre Joana Angélica.

Ela foi morta porque não permitiu que soldados portugueses entrassem no convento para caçar brasileiros.
Não sei se lá estavam…, mas ela foi morta.

E não ficou só nesse dia. Os combates e as rusgas seguiram.

Histori-se: ___ Nossa!

Maria Felipa:

____ Os portugueses controlaram Salvador.
Os que lutavam contra, buscaram abrigo no interior, no Recôncavo [Recôncavo Baiano].

Senhores de engenho e outras autoridades começaram a armar tropas.

Manifestaram apoio ao governo do Rio de Janeiro, o de Dom Pedro.

Convocavam todo mundo que puderam. Salvador foi cercada, ficou ilhada.

Lisboa mandou reforços para Madeira de Melo. Não adiantou. A guerra continuava.

Histori-se: __ Mas Dom Pedro não enviou tropas para ajudar?

Maria Felipa:

___ Ah… Enviou. Mas só depois de um tempão que a coisa fervia por aqui.

Mandou uma força comandada por um mercenário francês. [Pedro Labatut].

Na madrugada de 02 de julho (de 1823), os portugueses que lutavam por Lisboa foram embora.

O Exército Libertador entrou na cidade de Salvador.

Histori-se: ___ O que mudou para você?

Maria Felipa:

___ De fato, de fato… Nada.

Para mim e para muitos outros, não houve melhoria.
Olham para a gente mais pobre como alguém que, quando reclama, atrapalha a ordem.

Mas qual ordem? 

Histori-se:  ___E agora? O que tem feito?

Maria Felipa:
___ Com o fim da guerra, pude voltar a buscar meu sustento na pesca, nos mariscos. 
Continuo jogando capoeira e preocupando com a minha sorte e com a dos que convivem comigo.

A gente luta é todo dia, né?

logomarca Histori-se

Veja mais de Patrícia Rodrigues Augusto Carra
MATERNIDADES
Maternagem, práticas de zelo e de cuidados para com as crianças, e...
leia mais