Arte: editora de Histori-se.
A escravidão chegou antes.

Bu-y-syde faz parte da série O Tempo das Feitorias.

Pau-brasil; outras madeiras e produtos vegetais; animais exóticos para os europeus – e, pasmem… até pessoas escravizadas – foram vendidos na Europa.

Bu-y-syde ou Brígida é uma raridade. Por quê?
Por que a contabilidade a nomeou.

Como ela, muitos nativos do continente americano foram levados para a Europa identificados como escravos. A maioria, anônimos para nós.
Deles, pouco sabemos.

Bu-y-syde
Bu-y-syde – Brígida. Arte: editora de Histori-se
E a escravidão chegou antes…

Quando falamos sobre os contatos e as relações entre os nativos do território da América Portuguesa e os lusitanos, o termo escravidão, em geral, é mencionado a partir do início do plantio da cana-de-açúcar e das primeiras experiências com a manufatura do açúcar.

Mas… a escravidão de pessoas indígenas começou bem antes.

A escravidão de indígenas do continente americano na Europa: um silêncio historiográfico.

Desde o início do século XVI, pessoas nativas do continente americano foram traficadas para o continente europeu. Pouco sabemos sobre. 

Conseguimos percebê-los, por exemplo, em documentos, onde aparecem listados por sexo e na qualidade de carga de embarcação. Mas logo os perdemos…

Que destinos tiveram?
Sobreviveram à viagem?
Só restam perguntas…

Quanto aos objetivos de seus algozes: mercado escravo europeu e espetáculo (exibição)

Haveria outra intenção?
Intérpretes

A ideia que os nativos do “novo continente” vivessem um tempo na metrópole, aprendessem o idioma do conquistador e retornassem como intérpretes.

Exótico

Parte dos indígenas foram levados para a Europa para serem exibidos como o exótico. Espetáculo e propaganda do mundo, pelos europeus, encontrado.  Nesse grupo, há tanto embarcados à força como gente que embarcou por vontade própria.

Escravos

A maioria teve como destino a escravidão. Grande parte não sobreviveu à viagem.

Os documentos mostram que Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio levaram ameríndios para serem negociados como escravos na Europa. Mas não foram os únicos.

Silêncio na História…

A historiografia tem pouca produção sobre a escravidão ameríndia no continente europeu.
Uma das razões pode estar no campo dos interesses, a história é feita de perguntas aos tempos.
Outro motivo, a carência de documentação e a complexidade do tema escravidão em solo europeu nos séculos XV, XVI e XVII.

PORTUGAL
E a proibição de embarcar nativos?

A Coroa Portuguesa proibiu, nos navios que navegavam sob a sua bandeira, o embarque de nativos de sua colônia na América.
Isso pode ser visto em alguns documentos da época.

O exemplo da nau Bretoa.

Um exemplo são os registros da Nau Bretoa (Bertoa), capitaneada por Cristóvão Pires, que esteve no litoral brasileiro em 1511.

Nos seus documentos constam o Regimento do capitão e anotações referentes à viagem, incluindo a relação da carga que o navio levou quando retornou do Brasil para Lisboa.

O Regimento de Dom Manuel I ao Capitão da nau diz:

“[…] não faça nenhum mal nem dano a gente da terra […]
não trarás na dita nau de nenhuma maneira nenhum dos naturais da terra do Brasil que queira cá vir viver no reino […]”

O mesmo Regimento permitia o tráfico de pessoas nativas na condição de escravizadas desde que de forma discreta, sem motivar problemas com os indígenas.

Documentos preservados

Documentos redigidos nesta viagem nos permitem acesso a várias informações. Compartilho algumas:

  • A tripulação da nau Bretoa, quando partiu de Portugal no dia 22 de fevereiro de 1511, além de capitão, piloto, escrivão e mestre; ainda, contava com 13 marinheiros; 04 pajens, 14 grumetes e 01 dispenseiro.
  • Se não acontecesse nenhum problema sério, como falta de mantimentos ou avarias provocadas por intempéries, a nau deveria ir de Portugal para o Brasil, sem escalas. A mesma ordem, valia para o retorno ao continente europeu.
Essa nau teve como data de regresso a Lisboa, o dia 22 de outubro (1511).

Os seus registros informam que levou para a metrópole, precioso e diverso carregamento: pau-brasil; animais como saguis, papagaios, macacos e… 38 pessoas escravizadas, a maior parte do sexo feminino.

Entre as mulheres escravizadas havia uma moça, encomendada por Francysco Gomes, chamada Bu-y-syde.

histori-se
Notas:
  • ABREU, C. (2009, p. 25) cita 40 pessoas escravizadas pelos tripulantes da nau Bretoa.
  • A Espanha proibiu a escravidão de nativos da América no ano de 1542; contudo, após essa proibição há notícias de indígenas traficados para a Europa.
  • Neste texto foi mencionado Portugal e Espanha; contudo, apesar da carência de documentação, podemos inferir que ingleses e franceses, também, levaram nativos do continente americano para a Europa, inclusive, contra a vontade desses.
  • A nau Bretoa foi armada pelo consórcio de Fernando de Noronha, Bartolomeu Marchione, Benedetto Morelli e Francisco Martins. A viagem durou 8 meses. Os seus documentos estão no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal) e podem ser consultados.
Algumas referências:
  • ABREU, C. Os descobridores. In: Capítulos da história colonial. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, 2009.
  • ALENCASTRO, Luís Felipe. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul – séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • FONSECA, Jorge. Escravos e senhores na Lisboa Quinhentista. Lisboa: Edições Colibri, 2010.
  • GANDANO, Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil: história da Província Santa Cruz. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia: São Paulo: Edusp, 1980.
  • TEIXEIRA, Dante Martins e PAPAVERO, Nelson. Os primeiros documentos sobre a história natural do Brasil (1500-1511): viagens de Pinzon, Cabral, Vespucci, Albuquerque, do Capitão de Gonneville da Nau Bretoa. Belém, Pa: Museu Paraense Emílio Goeldi., 2009.
  • THOMAS, Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil – 1500 – 1640. São Paulo: Edições Loyola, 1982.
  • VESPÚCIO, Américo. Mundus Novus. São Paulo. Editora Planeta, 2003.
  • VOIGT, Lisa. Writing captivity in the early modern atlantic. Circulations of knw / edge and  authority in the Iberian and English Imperial Worlds. Virginia University of North, Omohundro Institute e UNC Press, 2009.
Livro da Nau Bretoa – página m0031.
  • Livro da Nau Bretoa – Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
  • Hoje tomei conhecimento de uma dissertação sobre “nativos americanos, provenientes das Américas Espanhola e Portuguesa, embarcados para a Europa”. Deixo aqui a indicação de leitura: PITOL, Ana Claudia Magalhães. O exótico cruzou o Atlântico: o embarque e a presença de ameríndios na Europa (séculos XV, XVI e XVII). Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em História. Universidade do Paraná. Curitiba, 2005.
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