As dores das Marias são pensadas através da obra do compositor Tom Zé.
Neste post, Elizete faz uma breve introdução, trazendo a relevância do tema e apresenta:
o compositor Tom Zé e sua obra Estudando o Pagode (Na Opereta SegregaMulher e Amor)”
que pode ser conferida no
< Spotify-álbum-Tom Zé-Opereta >.
Na sequência, deixa o convite para continuarmos conversando na próxima edição de Histori-se.
INTRODUÇÃO
O dia 08 de março – Dia Internacional da Mulher – é um marco na luta das mulheres pela afirmação de seus direitos civis e contra todas as formas de violência ao gênero feminino.
Essa data nos induz à reflexão das nossas conquistas, mas também é o momento de refletirmos como está a nossa relação com o gênero masculino,
afinal, a recente conjuntura do sistema sócio-político, alavancado por estruturas de poder e culturas de um sistema ainda patriarcal, constantemente promove ataques à dignidade e ameaças ao que já havia sido duramente conquistado pela sociedade.
Estamos avançando?
A violência está presente no cotidiano de meninas e mulheres, desde o assédio moral, abuso sexual até o feminicídio.
Nos últimos anos, temos visto diariamente nos noticiários o crescimento do feminicídio.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança, o ano de 2021 marca a retomada do crescimento de registros de estupros,
os números de registros de crimes contra meninas e mulheres tornam visíveis o aumento da violência e abusos cometidos durante a pandemia.
São dados de uma mulher morta a cada 7 horas, total de 2.451 casos de feminicídio; um estupro a cada 10 min, ao menos 100.398 de casos registrados!
Dados apontam que a grande maioria dos agressores são homens com os quais as vítimas conheciam ou conviviam.
![Conde rela representada com vítima de violência doméstica.](https://historise.com.br/wp-content/uploads/2023/03/o-DISNEY-PRINCESS-2-570-262x300.jpg)
Ainda outra face da violência de gênero são os crescentes discursos violentos direcionados às mulheres nas redes sociais.
De acordo com o Jornal El País, existe uma “incontrolável ascensão dos ninhos de machismo na Internet”, supremacistas radicais do mundo todos se erguem contra as chamadas “minorias”, destilam machismo, ódio e agressão, principalmente contra as mulheres.
![Jasmine, princesa da Disney, representada como vítima de violência doméstica](https://historise.com.br/wp-content/uploads/2023/03/o-DISNEY-PRINCESS-4-570-262x300.jpg)
Esses canais misóginos discutem como combater a crise de masculinidade contra a suposta “feminização do mundo”.
Todos fazem parte da chamada “homensfera”, dispersos em canais do YouTube,
ou ainda os chamados grupos “red pill”,
(algo como “celibatários”, onde homens jovens incitam à violência e ofertam “mentoria” a outros machos feridos).
Esses movimentos surgem como uma reação às conquistas dos movimentos feministas, principalmente no que diz respeito à liberdade sexual e profissional.
AS DORES DAS MARIAS
![Estudando o Pagode- Na Opereta Segrega Mulher e Amor](https://historise.com.br/wp-content/uploads/2023/03/Anderson-Pagode-1-300x105.jpeg)
A representação do ódio à mulher em estudo de gênero musical
Ainda sobre o tema da violência contra a mulher, é interessante apresentar um artista que surgiu na década de 1960.
O músico Tom Zé que justamente compôs uma Opereta, Estudando o Pagode- Na Opereta Segrega Mulher e Amor (2005),
um estudo de gênero musical que trata da segregação do gênero musical – o pagode – e da segregação do gênero feminino e sobre as relações de gênero e machismo.
Os dois últimos temas extremamente atuais e atemporais que nos convidam a um incursão pela história da segregação da Mulher ao longo dos séculos.
APRESENTANDO TOM ZÉ
O artista é um dos nomes mundialmente conhecidos por integrar o movimento chamado Tropicália.
Esse movimento surgiu como resposta ao Regime Militar, teve expressão em vários segmentos da arte,
misturava a cultura tipicamente brasileira com as influências do cenário cultural e econômico internacional,
numa espécie de “antropofagismo oswaldiano“.
A segregação da mulher na Opereta de Tom Zé
A obra “Estudando o Pagode- Na Opereta SegregaMulher e Amor” (2005) faz parte da trilogia de estudos de gêneros musicais, a saber, Samba, Pagode e Bossa-nova.
A palavra opereta significa “Ópera pequena”, o gênero dramático escolhido pelo músico é apropriado para encenar o litígio amoroso.
A OPERETA
O texto dramático da Opereta é apresentado no encarte do CD, o libreto.
(Vale a pena ouvir a opereta musicada, pois as músicas estão ligadas e dialogam entre si, algumas respondem à canção anterior).
O álbum é composto por 16 canções divididas em Três Atos:
- “Mulheres de apenas”;
- ”Latifundiários do prazer” e
- “Amor ampliado para teatro e para o resto do país”.
O tema central da peça é a perpetuação da cultura da violência do patriarcado e do machismo na sociedade brasileira, mas sob uma nova perspectiva:
a relação entre os gêneros.
Para isso, Tom Zé nos propicia a encenação do Julgamento da Mulher como gênero.
A MULHER NO TRIBUNAL
No Primeiro Ato, “Mulheres de apenas”, cena I, “Mulher é o mal”, a canção Ave dor Maria,
a Mulher é apresentada em um Tribunal, como a origem de todos os males da humanidade.
Isso acontece diante de:
- um júri,
- um coro de rezadeiras,
- um coro de acusadores,
- um coro de mulheres e
- uma defensora, Mônica-Sol-Musa.
O tribunal apresentado é sublimado a uma dimensão universal, um lócus alegórico onde a Mulher é acusada pelos males da humanidade.
Entram em cena, pela ordem de entrada:
- O coro das rezadeiras: rezam pela intercessão de Maria
- O coro dos acusadores: acusam a Mulher como origem do Mal
- Mônica Sol-Musa: musa, rezadeira e defensora da Mulher
- O coro das mulheres: acusam o homem de suicida.
![](https://historise.com.br/wp-content/uploads/2023/03/brazilian-inquisition-1024x576-1-300x169.jpg)
*A canção que abre a opereta, Ave Dor Maria, contextualiza historicamente a imposição das tradições da cultura greco-romana e judaico-cristã e dogmas religiosos do Cristianismo.
O arquétipo da Virgem Maria possibilita que essa figura seja a única digna de interceder pelas dores da Mulher.
O HOMEM – espectador no Julgamento
Tom Zé convida especialmente o gênero masculino para que escute as atrocidades cometidas contra a Mulher através dos séculos,
para que revisite o passado histórico em busca das raízes da segregação,
nesse sentido; inverte o papel e coloca o homem no banco do réu!
Para compreender essas raízes, Tom Zé lança mão de recursos linguísticos como a relação entre os signos e os significados dos nomes das suas musas, personas e rubricas que tecem o texto dramático no decorrer da Opereta, como uma teia de personagens que convergem todas para o mesmo lugar: as dores da segregação.
![Seta indicando que o texto continua abaixo](https://historise.com.br/wp-content/uploads/2023/02/2-2-300x171.jpg)
A MUSA
Na próxima edição, apresentaremos a Musa, Mônica Sol-Musa e o significado desse arquétipo para o estudo da segregação e as demais personagens que compõe o julgamento.
Escutar a defesa da Musa, em favor da Mulher, é um instrumento de reflexão sobre a nossa própria história e identidade ligada à segregação.
Afinal, a luta contra a violência ao nosso gênero não pode ser uma luta solitária.
A AUTORA
![Elizete](https://historise.com.br/wp-content/uploads/2023/03/IMG_20230403_023403_321-300x225.jpg)
Elizete Lacerda é licenciada em Letras, revisora de textos, escritora.
Algumas de suas áreas de interesse e atuação: cinema e análise literária (especialmente análise de canções).
Leia < Mônica-Sol-Musa > na 25ª edição de Histori-se.
Notas e referências:
- Imagem destacada – Mural de Denise Arantes – Conheça sobre a artista em < Mire-se! >.
- Imagens 1 e 2. Princesas – personagens de desenhos da Disney: Cinderela e Jasmine.
As personagens estão representadas como vítimas de violência doméstica.
A campanha “Happy Never After”, do artista Saint Hoax, teve o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a violência doméstica. Veja sobre no site < Circolare – violência contra mulher >. Vide, também, campanha de Alexsandro Palombro em < Revista Fórum – princesas violência doméstica >. Acessados em março de 2023. - Imagem 3 – A imagem está presente no site < Deviante – post – resenha Tom Zé – Estudando … > .
- Imagem 4 – Cena da Inquisição, Banco de imagens Shutterstock. Imagem cedida pela autora.
- Para quem quer mais sobre Tom Zé, visite o site < https://tomze.com.br/ > .
- Livro: CALADO, Carlos. Tropicalista lenta luta. São Paulo:Publifolha.1997.
- Dados sobre a violência contra a mulher: in: FÓRUNBRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública:2021.São Paulo:FBSP,2021.
- *Canção Ave Dor Maria (Tom Zé) – Letra e música: vide site < https://www.letras.mus.br/tom-ze/164867/>.