HISTÓRIA E SUAS MANAS
O SIGNIFICADO HISTÓRICO DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER – 8 DE MARÇO
INTRODUÇÃO
Dia Internacional da Mulher. A primeira pergunta que nos fazem, como historiadoras é: porque 8 de março? Tal data foi estabelecida, oficialmente, pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 – o Ano Internacional da Mulher. Apesar de hoje ela ter se tornado uma data um tanto quanto festiva, com distribuição de flores e bombons, também tem sido marcada por passeatas e manifestações das mulheres.
A origem da escolha exata do dia é um pouco controversa e tem várias versões – a que mais se propagou no Brasil relaciona o dia ao incêndio ocorrido em Nova York em uma fábrica de tecidos (na Triangle Shirt waist Company), quando, após uma greve por melhores condições de trabalho, o prédio pegou fogo, no entanto, tal fato ocorreu no dia 25 de março de 1911, e não no dia 8. Outras versões nos são narradas por pesquisadoras que têm se dedicado ao tema, trazemos, como exemplo, duas delas: (1) a historiadora canadense Reneé Coté e (2) a socióloga brasileira Eva Blay. Ambas destacam que a primeira menção histórica a tal escolha foi feita na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1910, na cidade de Copenhagen (Dinamarca), quando uma das participantes, Clara Zetkin, propôs uma resolução para se instaurar oficialmente um Dia Internacional das Mulheres.
A PROPOSTA DE CLARA ZETKIN
A proposta de Zetkin, segundo os registros, era de uma jornada anual de manifestações das mulheres pela igualdade de direitos, sem exatamente determinar um dia específico. Em muitos países, tal dia passou a ser vinculado aos pedidos de participação feminina no mundo da política, tal como aconteceu na Alemanha, que, sob o lema “Sufrágio feminino já“, levou mais de um milhão de mulheres para as ruas no primeiro Dia Internacional da Mulher, que foi celebrado em 19 de março de 1911.
O voto feminino seria instaurado na Alemanha em 1918
A GREVE DAS OPERÁRIAS RUSSAS
Outra teoria da escolha da data faz ligação direta entre a participação das operárias russas do setor de tecelagem nas greves ocorridas naquele país no ano de 1917 e que teria levado à Revolução Russa. O destaque, assim, é dado para o dia em que elas entraram em greve e para o fato de que tal ação teria sido a mola propulsora para instigarem outros trabalhadores a uma greve geral. Tal dia não foi outro que não o 8 de março no calendário gregoriano (23 de fevereiro no calendário russo). Assim, uma ação política das operárias russas teria precipitado o início das ações revolucionárias que tornaram vitorioso o movimento sedicioso. Tal teoria é defendida por Renée Coté, que menciona documentos da Conferência Internacional das Mulheres Comunistas do ano de 1921, no qual uma das participantes da Bulgária havia feito uma proposição para que o 8 de março fosse reconhecido como o Dia Internacional das Mulheres, como uma espécie de homenagem à iniciativa das mulheres russas (COTÉ apud SILVEIRA, 2005, p.65).
Apesar das controvérsias em torno da origem da data, o que se quer salientar é que ela foi instaurada, após todo um ciclo de lutas de mulheres, numa era de grandes transformações sociais que tornaram o Dia Internacional das Mulheres um símbolo da participação ativa delas para transformarem a sua condição e a sociedade.
Para entendermos esse processo de mulheres protagonistas da sua própria História, trouxemos alguns apontamentos para que possamos, juntas, perceber como essas conquistas foram e são importantes e, mais que isso, como são recentes.
MULHERES SUJEITAS DE SUA PRÓPRIA HISTÓRIA
As brasileiras não tinham acesso à educação formal até 1827, quando, então, passam a poder frequentar o ensino regular, mas só em 1879 é que foi dada a permissão para que elas frequentassem o ensino superior e mais 20 anos se passaram para que uma mulher advogada, a carioca Myrtes Gomes de Campos, conseguisse autorização oficial para defender um cliente no tribunal pela primeira vez.
No início do século XX, profissões relacionadas ao cuidado, tais como professora e enfermeira, eram vistas como mais “adequadas” para mulheres. Foi apenas em 1918 que uma mulher conquistou o primeiro emprego público no Brasil, no Itamaraty, seu nome: Maria José de Castro Rebello Mendes. Maria, na época, precisou entrar com um recurso no tribunal para poder participar do concurso.
No que tange às leis, de acordo com o Código Civil de 1916, todas as mulheres casadas foram classificadas em uma categoria única e colocadas ao lado de outros grupos de excluídos da vida jurídica, como crianças, insanos e criminosos. Os códigos de leis, não só no Brasil, consideravam as mulheres legalmente menores. Como relata a historiadora Cláudia Maia:
“culturalmente o casamento era representado como a única fonte de sobrevivência para as mulheres e, por isso, elas não necessitariam de uma profissão. Sua formação escolar poderia limitar-se ao suficiente para serem educadoras dos filhos e administradoras racionais de suas casas” (MAIA, 2011, p.178).
Sobre a participação da vida política do Brasil, foi em 1932 que as mulheres conquistaram o direito de votar e ser votada, após longos anos de lutas do movimento sufragista. A exclusão das mulheres da vida pública era baseada em noções como:
“a fraqueza de seu corpo e de sua mente; a divisão física da mão-de-obra, que as tornava aptas apenas para a reprodução e os afazeres domésticos, e a susceptibilidade emocionais, que as impeliam a excessos sexuais ou ao fanatismo religioso”
(SCOTT, 2002, p.17).
Para cada uma dessas razões, eram invocados estudos científicos, discursos médicos ou, ainda, a suprema autoridade da “natureza” ou as leis e princípios religiosos para justificar que as coisas sempre foram assim e assim deveriam permanecer. Aqui, no Brasil, foi somente em 1988 com a feitura de uma nova Constituição que homens e mulheres foram considerados iguais perante a lei.
Hoje, apesar dos avanços, 2,7 bilhões de mulheres no mundo ainda enfrentam algum tipo de restrição legal por serem mulheres. A cada 4 minutos, uma mulher é agredida. Só em 2019, de acordo com o Atlas da violência, mais de 4900 mulheres foram assassinadas no Brasil, e destas, 66% eram mulheres negras e esses números têm piorado com a pandemia do COVID-19, que mergulhou o mundo em um período tão atípico. Uma das principais pautas da luta feminista é enfrentar a da violência contra as mulheres – uma verdadeira epidemia mundial.
FINALIZANDO
Para nós, o 8 de março é uma forma de homenagear mulheres que foram impedidas de votar, de sair de casa, de decidir sobre se teriam ou não filhos ou se poderiam estudar e trabalhar. Essas mesmas mulheres que acreditaram que a educação era uma forma de lutar pela transformação das restrições que lhes eram impostas. Assim, é um momento de reflexão – para entendermos as conquistas, os retrocessos e que muito ainda precisa ser feito para que se consiga chegar em uma verdadeira equidade de gênero. Equidade pensada para todas as pessoas.
Datas como o 8 de março são importantes por nos proporcionar um momento para refletir sobre as nossas conquistas, que já foram muitas, mas também nos conscientizar que ainda há muito a se fazer para se alcançar um ideal de um mundo mais igualitário e solidário para todas, todes e todos. A luta é todo dia e o 8 de março é uma data simbólica para repensar nossas lutas, conquistas e resistências. E proporcionar espaços como esse de questionamentos e de visibilidade para as conquistas feministas e reiterar que “lugar de mulher é onde ela quiser” – nas ciências, em casa, na rua, na luta, desde que ela tenha escolhido seu caminho. O 8 de março deve ser uma data de celebração e de reflexão. E como bem resume Eva Blay, “é uma data que simboliza a busca de igualdade social entre homens e mulheres, em que as diferenças biológicas sejam respeitadas, mas não sirvam de pretexto para subordinar e inferiorizar a mulher” (BLAY, 2001, p.601).
AS AUTORAS
Referências:
BLAY, Eva Alterman. 8 de março: conquistas e controvérsias. Estudos Feministas, n.2. 2001.
MAIA, Cláudia. A invenção da solteirona. Conjugalidade moderna e terror moral. Minas Gerais (1890-1948). Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2011.
PIETRA, Natalia Mendéz. Por que precisamos do 8 de março? Sul21, matéria publicada em março 8, 2018. www.sul21.com.br
SCOTT, Joan. A cidadã paradoxal: as feministas francesas e os direitos do homem. Florianópolis: Mulheres, 2002.
SILVEIRA, Maria Lúcia. 8 de março: em busca da memória perdida. In: SOF – Sempreviva Organização Feminista. Feminismo e Luta das Mulheres: análise e debates. São Paulo: SOF, 2005