O LÉXICO AFRICANO NA LINGUAGEM GAUCHESCA

Capa "Novo Dicionário Banto no Brasil".
Parte II do texto: " A Presença do negro na literatura riograndense: os contos gauchescos".
Diadorim
Literatura & Cinema
Jeferson Tenorio_ Site da  Livraria daTravessa.

“Posso dizer a vocês que foi na escola que soube pela primeira vez que era negro.
Até então eu também era ignorante nesse assunto. […]
E digo a vocês que é terrivelmente ruim viver na ignorância.
E a gente nunca é negro por acaso,

porque antes de ser negro a gente tem que aceitar,
entender que a gente tem uma cor preta,

e que isso faz diferença na vida”.

(TENÒRIO, Jeferson. O beijo na parede. 2013. P. 19)

A voz do sargento Caldeira era sempre emitida em tom baixo, mas sem submissão. […]
Netto aproximou seu rosto do rosto do sargento.
Por que não ficaram na serra?
Por que desceram?
Não eram livres por lá?
Não estavam seguros?

Para sermos livres, para sermos seguros, precisamos dum país, coronel.
(RUAS, Tabajara. 2001. PP. 85-86.)

PARTE II

PARTICIPAÇÃO DE LÉXICO AFRICANO NA LINGUAGEM GAUCHESCA

A Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul publica um artigo de Dante de Laytano, intitulado Os africanismos no dialeto gaúcho (LAYTANO, 1936).

Em O linguajar do Gaúcho Brasileiro, o autor retoma a temática com o subtítulo “Africanismos” (LAYTANO, 1981, pp. 175 a 216x).

O autor arrola um conjunto de nomes que demonstraram o uso de termos africanos na linguagem cotidiana do homem sul-rio- grandense.

Destaca Luiz Carlos de Morais como quem primeiro colecionou cientificamente os africanismos gaúchos – em obra de 1935 –, mas discorda de Morais no que diz respeito à explicação de serem poucos os africanismos na linguagem ao sul do Brasil.

Laytano faz, ainda, considerações sobre Apolinário Pôrto Alegre, a quem reputa extensa e séria pesquisa relativa à contribuição negra para a formação do dialeto gauchesco, e sobre Albert Drexel, a quem atribui uma nova orientação à filologia negra.

Comenta que o Popularium Sul-rio- grandense, de Pôrto Alegre, ainda “hoje, evoluídos os estudos da língua […], é um monumento da cultura” (LAYTANO, 1981, p. 189). Cita Vicenzo Rossi, cuja obra é “uma verdadeira reivindicação do papel do preto na civilização platina” (p. 182).

Aos estudos referentes à participação do negro no léxico sul-rio-grandense, Laytano acrescenta análises quanto à forma pela qual o vocabulário africano penetrou a linguagem pampeana.

Lembra que aos negros foram designados os trabalhos do pastoreio do gado. Assim, esses campeiros se expressaram “como lhes aprouve e quando os senhores, os brancos, precisavam ir diretamente a determinados assuntos, como a defesa da estância, combate ao roubo e à prática do contrabando de gado, não tinham outros recursos senão exprimir-se na mesma linguagem de patuá dos negros” (LAYTANO, 1981, p. 179).

Para o estudioso, as condições sociais de mulheres e homens escravizados no RS revelam como, do trabalho, os africanismos passaram a constituir a linguagem gauchesca. E o mundo do trabalho pensado por Dante Laytano incluía “nosso linguajar doméstico ou geográfico” (LAYTANO, 1981, p. 181).

Laytano informa, ainda, que as línguas mais comuns no Rio Grande do Sul eram o quimbumdo ou o banto, pertencentes a um conjunto de línguas do grupo nigero-congolês oriental existente na África.

Angolanos, benguelas, cabimdas, por exemplo, são povos do grupo etnolingüístico banto.

Outro pesquisador, Oliveira Santos (1997), afirma que a linguagem sul-rio-grandense é muito rica e que o português falado pelo gaúcho é notadamente marcado pela influência de línguas européias e americanas como o espanhol e o quíchua. No entanto, concorda com as pesquisas de Laytano ao apontar a grande influência do grupo etnolingüístico banto no português do sul do Brasil.

Palavras como angu, bombear, boquinha,bugiganga, caimba, caçula, candonga, cangica, chambão, empacador, enquizilar, fandango, ganja, inhame, japona, lenga-lenga, lomba, lundu, macota, mandinga, matutomissanga, mocotó, monjolo, mogango, nenê, papagaio, pinguela, pito, quenga, quilombo, samba, tambo, entre outras, aparecem no levantamento apresentado em O Linguajar Gaúcho Brasileiro (LAYTANO, 1981).

Hoje, as pesquisas ampliam esse vocabulário, ou questionam algumas etimologias.

Trabalhos como aqueles apresentados no Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes (2003) ou mesmo no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) contribuem com a demonstração da influência do negro nos usos lexicais de nossa língua portuguesa do RS.

Veja a PARTE I do artigo em < https://historise.com.br/a-presenca-do-negro-na-literatura-riograndense-os-contos-gauchescos/  > publicado na edição anterior.

Escrito por
Veja mais de Vera Haas
Participação de Léxico Africano na Obra Simoniana.
PARTE III do artigo: "A Presença do Negro na Literatura Riograndense: Os...
leia mais