Fotografia de Gabriela Baraibar.
Sim, eu sempre quis ser mãe. Não, eu não queria ter filho naquele momento. Duas afirmações que não deveriam estar em sequência, elas soam estranhas entre si, eu sei. Mas posso explicar.

 Desde o início, fiz tudo como “manda o figurino”: namorei, noivei, comprei carro, casa, casei “de papel passado” e estava razoavelmente estável profissionalmente. E foi exatamente nesse último quesito que empaquei quanto ao assunto maternidade. Era um momento tão intenso e de realização no trabalho, tinha tantos planos, tudo se encaminhava tão bem para realizar tanta coisa diferente. Como sempre, estava tão empolgada com isso, tão entregue à carreira! Só conseguia pensar: definitivamente, não há espaço para ter filho agora, mas um dia, quem sabe? Por isso que as duas primeiras afirmações se explicam: eu queria ser mãe, mas não naquele momento.

Foi no meio desse caos que eu enxerguei o positivo no teste de farmácia – o primeiro que fiz na vida, aliás. E depois daquele choque, das pernas tremendo, da vontade de chorar, do suor nas mãos e das infinitas dúvidas que pairavam na minha mente naquele momento, fiz o exame de sangue. Tinha dentro de mim uma certa esperança de que o tal teste de farmácia estivesse errado. O laudo clínico confirmou, óbvio. E depois de ir à ginecologista para saber por onde começar, fui fazer a primeira ecografia com um desejo mórbido (daqueles que muitas mulheres têm vergonha de confessar) de que a gestação não se confirmasse.

A imagem e o áudio foram claros: eu estava grávida!

Passei o primeiro trimestre “catatônica”, por assim dizer. Com muito sono, dúvidas imensas, medos gigantescos, cuidando da alimentação, escondendo de todo mundo até que se confirmasse que estava tudo correndo bem. No segundo, o mar de rosas se apresentou. Barriga crescendo, bebê ganhou um nome, todos já sabiam, os carinhos e mimos eram constantes e a espera passou a ser mais doce. No terceiro, mais um choque: pandemia do novo coronavírus, isolamento, home office, tensão, chá de fralda cancelado e a impossibilidade de dividir a reta final com aqueles que mais amava.

Era uma madrugada fria, mas lembro de não sentir muito a temperatura, pois as dores das contrações tomavam toda e qualquer atenção minha. Ao chegar na maternidade, o cenário pandêmico me fez subir sozinha para ser atendida, fazer a triagem, confirmar o trabalho de parto ativo, me encaminhar à sala de pré-parto e só então autorizar a subida do meu marido, o pai do Pedro. E depois de oito horas daquela cena que muitas conhecem, tive de ser encaminhada à cesárea de emergência. Aquela sexta-feira, dia 15 de maio de 2020, exatamente às 12h21, nunca mais será esquecida. Não tive a cena tradicional da família aguardando para ver meu filho pelo vidro, não pude receber visitas nos dois dias seguintes de internação, nem pude ser recebida por familiares em casa, a Covid-19 não deixava.

Meus pais e sogros conheceram o neto pela janela do carro, de máscaras, sem encostar naquele mini corpo que viria para mudar as nossas vidas.

Chegamos em casa e o primeiro choque foi como um soco no meu estômago. Eu não reconhecia mais a minha casa, aquelas paredes não pareciam as mesmas que deixei na madrugada fria de três dias antes. Lembro que, na hora de dormir, com o Pedro num bercinho ao lado da minha cama, eu e meu marido nos olhamos e questionamos, em tom divertido: “Cadê aquele botão que a gente aperta e aparece uma enfermeira para nos ajudar?”. Foi uma maneira suave de mostrarmos um ao outro o quanto estávamos apavorados por perceber que, dali em diante, era tudo conosco, e apenas conosco.

As primeiras noites sem dormir, as primeiras trocas de fralda, as primeiras dúvidas, hoje, lembrando isso, posso dizer que foi tudo bem aterrorizante. E olha que tive a oportunidade de viver maternidades e chegadas de bebês bem de perto. Além disso, nunca me senti preparadíssima, cheia de informação e super segura de que tiraria de letra. Ao contrário. Se tinha algo muito claro na minha cabeça era de que a maternidade linda e cor de rosa não existia e tudo acontecia de forma muito única em cada casa, com cada mulher, em cada formato de família. Para completar o caos, enfrentar um puerpério (algo que eu sabia que aconteceria, mas jamais imaginei a intensidade desse período) foi um dos maiores desafios dessa mãe que nascia junto com o Pedro. A total falta de controle, não apenas de horários e rotina, mas de emoções e sentimentos, foi realmente assustador.

Também tive sérias dificuldades iniciais na amamentação, o que deixava tudo ainda mais pesado. Dor, seio machucado e total falta de prazer no ato de alimentar meu próprio filho. Foi a primeira vez que entendi a frase “nasce uma mãe, nasce uma culpa”. Ah, sem falar nas cólicas e mais cólicas que Pedro tinha desde os quatro dias de vida. Chorava ele de um lado e eu de outro. E tudo isso se unia à famosa e cruel privação de sono. O pano de fundo ainda era a pandemia, um rigoroso e característico inverno, e a sensação de solidão que impera nas puérperas. Conseguia compartilhar os momentos marcantes pelas redes sociais e nas trocas virtuais de experiências com amigas que também eram mães recentes, de modo a aliviar um pouco aquele turbilhão de emoções.

Alguns podem me perguntar: mas foi tudo tão ruim assim? Não. Aliás, eu nem disse que foi ruim. Relatei que foi difícil, penoso e muitas vezes, cruel. Lembro de odiar a frase “aproveita, pois passa rápido”. Para mim, aquilo tudo se arrastava e parecia que nunca ficaria bom. Eu estava errada, lógico. E que bom! Todas as fases passam, claro, e aquele lance de que mães esquecem de muitas das dificuldades é real, mas cada uma no seu tempo e na sua intensidade. O tempo passou, o puerpério foi dando lugar à luz (sim, essa é uma fase de trevas, escuro, onde parece que as noites não têm fim, especialmente para quem tem um filho que, como o Pedro, não dorme até hoje uma noite inteira), a amamentação se estabeleceu (e segue até hoje, quem diria!), as consultas à pediatra foram nos dando segurança de que tudo corria bem e dentro do esperado, com dificuldades comuns.

O fato é que ver tão de perto o desenvolvimento de um filho (obrigada, pandemia, por trazer ao menos algumas oportunidades tão lindas) é o que preenche o coração de uma mãe, seja ela estreante ou não nesse mundo. Lembro que o Pedro sorriu pela primeira vez exatamente no dia em que completou um mês e que isso aconteceu tão logo ele acordou. Sabem qual era o cenário? Eu e meu marido havíamos dormido na sala com ele, para que o revezamento fosse mais rápido e o espaço para embalar um recém nascido no colo fosse maior. Era a fase de dormir quando dava e do jeito que dava, e tudo bem.

Voltei a trabalhar quando meu filho tinha uns dois meses e meio. Empresária, gestora de equipe e apaixonada pelo que faço, essa era uma das minhas maiores aflições. Queria ter algumas horas em que parecesse que a vida não mudou tanto assim. E foi o que eu fiz. Devagar, aos poucos, respeitando a nova prioridade que a rotina impunha, obedecendo meu corpo (leia-se peitos enchendo de leite e alertando que precisava alimentar aquele serumaninho), acostumando lentamente a deixar a cria nos braços de outra pessoa. Nesse ritmo gradativo, consegui adequar a nova vida ao que os meus papéis pediam, sendo eu profissional, mãe, filha, amiga, líder, esposa e etc.

Aprendi nesses últimos 12 meses a grandeza da frase “mãe é mãe”, entendi a complexidade cruel e ao mesmo tempo linda que é o maternar, tão único e tão intenso. Percebi quantas vezes “cuspi pra cima”, como se diz quando temos uma opinião sobre determinado assunto e passamos a fazer diferente daquilo que, naturalmente, criticávamos. Observei, admirei e amadureci com outras mães, experiências essas às vezes tão diferentes da minha, mas outras tão igual, que me faziam ver que eu não estava sozinha nessa. Sigo em construção, é verdade, pois muitas partes da minha vida ainda precisam ser ajustadas, um longo caminho materno ainda me espera, com novos desafios a cada etapa, mas com as mesmas delícias únicas.

Mais do que tudo, aprendi a respeitar outras mulheres, estejam elas em sintonia com meu modo de ver o mundo e de vivê-lo, ou não. Entendi que as dores de cada uma são tão especiais, que todas têm o direito de sentir e expressar da sua maneira. Na maternidade, não há espaço para julgamentos (sim, eu sei que, infelizmente, isso acontece com bastante frequência, mas não deveria, ok?). Em compensação, é incrível como há espaço para troca, acolhimento, ternura, socorro, ajudas e toda forma de rede de apoio. A propósito, se você não é mãe ainda, ou nem pretende ser, também há espaço pra você nas nossas vidas. Quero que meu filho saiba que existem muitas pessoas que nos amam e que estão ao meu lado nesse novo desafio de maternar, mas nem sempre essas pessoas saberão o que é ter um filho, e tudo bem. Isso não diminui em nada a importância delas pra nós.

O fato é que maternidade é uma escolha, sim, mas eu não preciso amar ser mãe todos os minutos dessa nova vida. Aprender com ela? Sempre. Mas jamais me sentir prisioneira de algo que um dia a sociedade apresentou. A “real oficial” é dura, penosa, difícil. Tem choro, raiva, saudade da vida anterior, tem desespero, culpa, frustrações e muitas, muitas dúvidas. Por outro lado, tem sorriso fácil, uma força que desconhecemos, tem empatia, aprendizados diários, orgulho da caminhada, desejo de um mundo melhor. Tem muito amor. E ele é capaz de coisas que nem sabíamos que era possível sentir. Hoje, um ano depois daqueles nascimentos – o dele e o meu – consigo olhar para trás, encher o peito de orgulho e dizer com convicção: caralho, conseguimos!

AUTORA
Márcia Christofoli, jornalista, empresária e mãe do Pedro.
Dois nascimentos: mãe e filho. Fotografia de Gabriela Baraibar.

 

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