Diadorim
Cinema e literatura
EDUCAÇÃO e ARTE LITERÁRIA e ARTE FÍLMICA.
Os estudantes, em sua maioria, recusam a leitura de obras literárias que lhes caem nas mãos apenas durante o Ensino Médio.
Não possuem familiaridade com a metáfora verbal.
Por outro lado, consideram-se peritos em filmes e imagens.
Se não possuem tecnologia em casa, sabem entender o universo visual porque estão expostos a ele todos os dias.
No entanto, frequentemente esses jovens não reconhecem a complexidade de uma imagem e as informações subliminares que apanham sem se dar conta.
Mais ainda: nem sempre pensam sobre a filmagem de uma cena, sobre a produção de uma imagem.
Esta é a preocupação da cinéfila, jornalista e professora de literatura
Dra. Vera Haas.
Ao longo de três posts, ela compartilha com Histori-se um artigo – datado de 2013 – narrando as motivações e a experiência de um projeto de literatura e cinema com estudantes do Ensino Médio IFSUL
Confira o primeiro post.
NOTAS PARA UMA NARRATIVA: O FIO DE ARIADNE
(PARTE I)
As reflexões pertinentes à interação entre cinema e literatura não datam de agora.
Como um fio a percorrer os movimentos estéticos, a relação entre palavra e imagem poética (no sentido de póiesis[1]) está presente na execução de obras como Lua de outubro (1997) e Vidas secas (1963), por exemplo.
A reunião de três contos de Mario Arregui (Cavalos do amanhecer, 2003) sustenta o roteiro de Alfredo Sirkis e a direção de Henrique de Freitas Lima. A cultura gaúcha permeia o filme e reúne as realidades de países do Mercosul. Casa grande com ambientes escuros, pastos abundantes, homens que cavalgam entre países distintos, tudo isso encobre o que se revela pouco a pouco, mediante o uso de cortes que engendram a falta de um corte simbólico e sociocultural.
A adaptação assinala o ano de 1923, a posição de homens e mulheres marca um debate ainda não concluído
Viagem, miséria e violência também são imagens do sertão de Graciliano Ramos (Vidas secas, 1938) e Nelson Pereira dos Santos (Vidas secas, 1963).
A música incidental e dissonante aguça o olhar e os sentimentos que acompanham a vida daqueles retirantes já na primeira cena.
Ao sabor da descrição realista, o excesso de luz reproduz em branco e preto a cor intensa do sol nascido no romance.
Com roteiro escrito por Nelson, o filme é uma obra prima do cinema brasileiro. Diferente do livro por sua linguagem, recupera a denúncia e a narrativa inscritas por Graciliano.
O romance merecia estar nas telas, segundo depoimento de Nelson Pereira dos Santos em resposta a Roberto d’Ávila: “Acho que primeiro o estilo, não é? É um texto muito organizado, bonito e ao mesmo tempo simples… as palavras justas, nos lugares certos… e tem também toda aquela formação ética do Graciliano, que muito atraia a juventude […]” (SANTOS, 2002, p.34).
Para a concepção do filme, a realização de documentários sobre a seca e a convivência com fotógrafos como Hélio Silva influenciaram o trabalho do cineasta.
A TRANSPOSIÇÃO DESSE TIPO DE CONHECIMENTO PARA A SALA DE AULA
A transposição desse tipo de conhecimento para a sala de aula ou para projetos extraclasse é, em si mesma, um problema de difícil solução.
Os estudantes, em sua maioria, recusam a leitura de obras literárias que lhes caem nas mãos apenas durante o Ensino Médio. Não possuem familiaridade com a metáfora verbal.
Por outro lado, consideram-se peritos em filmes e imagens. Se não possuem tecnologia em casa, sabem entender o universo visual porque estão expostos a ele todos os dias.
No entanto, frequentemente esses jovens não reconhecem a complexidade de uma imagem e as informações subliminares que apanham sem se dar conta. Mais ainda: nem sempre pensam sobre a filmagem de uma cena, sobre a produção de uma imagem.
Desejam produzir o filme, procuram atores e uma história de seu interesse.
Se a história nasceu de um conto ou romance, a transposição do texto verbal narrativo para o roteiro e para a folha de decupagem não é um trabalho que realizarão se não forem orientados.
SE TEXTO DRAMÁTICO?
Se o texto literário for dramático, fica mais fácil: os diálogos estão ali.
E, como o roteiro não foi decupado, quebras de eixo e falta de sequência entre as cenas podem ocorrer a todo instante (afinal, ainda não descobriram a descontinuidade do cinema, fundamental à formação de sentido na tela).
SE A HISTÓRIA FOR INVENTADA?
Se a história for inventada, quem fará o argumento?
Quem escreverá o texto para ser filmado?
Nesse momento, talvez eles busquem roteiros na Internet: não apenas pela facilidade, ainda não aprenderam a escrever ficção.
DOCENTES E A VONTADE DE TRABALHAR COM LITERATURA
A vontade de trabalhar com literatura leva o professor a aproximar arte literária e arte fílmica.
Expor ao corpo discente as peculiaridades de cada uma das linguagens, provocar a intimidade pela exposição contínua e indagar de modo a possibilitar a reflexão sobre a própria linguagem são procedimentos que requerem estratégias capazes de reunir o saber do século XXI com formas de expressão de séculos passados.
Cabe ao docente esse trânsito – ou ao cineasta, produtor, ator ocupados em formar agentes culturais.
A narrativa literária, ingrediente necessário a poemas épicos, romances, contos e novelas, frequentemente traz como tema perspectivas que inquietam o homem.
A forma pela qual os temas são apresentados requer o manejo de nexos (muitas vezes por meio de símbolos que pontuam a história “aos saltos”, como pequenas pistas) que conduzem os sentidos e a imaginação do leitor.
Escritores como Machado de Assis, Jorge Amado, Clarice Lispector e Caio Fernando de Abreu, por exemplo, abordam temas como a discriminação social, dão voz a narradores capazes de metáforas eficazes no tempo de cada um.
Reconhecer as conquistas estéticas, traçar paralelos entre a ficção e o panorama histórico e descortinar várias obras de um mesmo autor permitem a apreensão de um pedaço da história da literatura, da história do cinema e da história das ideias no Brasil
A condição audiovisual de um filme admite o trabalho com a linguagem verbal em suas variantes históricas e geográficas, com a linguagem visual no que se refere a planos, perspectiva e cor, no mínimo, e com a linguagem sonora, quer mediante a utilização de ruídos, quer mediante uma narrativa costurada por melodias e/ou canções.
Paralelamente, a imagem apresenta níveis de leitura ligados às informações apreendidas pela câmera em determinada cena, considerando-se o tipo de objetos colocados no cenário escolhido.
A descontinuidade exigida pela linguagem técnica engendra um discurso significante.
As cenas em que o estancieiro e o padre conversam sobre música iniciam após o deslizar da câmera por uma propriedade em que escravos preparam o charque.
Sequência e corte apresentam a tônica de Concerto Campestre (2003/2004).
Os letreiros que iludem a mãe do protagonista em Adeus, Lenin (2002), ora são pano de fundo no cenário, ora funcionam como mote da narração por meio de um zoom que aproxima o letreiro dos olhos maternos e do espectador, pois boa parte do filme revela os esforços dos filhos em garantir à doente a manutenção do comunismo.
O leitor do texto fílmico recebe uma grande quantidade de informações e, para manejar esse conteúdo, precisa estar consciente do maior número possível de recursos colocados a sua disposição sob pena de deixar a sala de projeção decepcionado, ou satisfeito com uma compreensão insuficiente quanto aos signos veiculados na tela.
PROJETO E ATIVIDADE DE EXTENSÃO NO IFSUL
Nos próximos posts, relato uma atividade de Extensão realizada desde 2010, na escola em que atuei.
Exponho reflexões que abarcam a atividade docente e a preocupação atual com uma educação culturalizada [2], problemática que tem sido levantada por profissionais ligados à produção de cultura nesse país.
O fio condutor do texto são as interfaces entre as narrativas literárias e cinematográficas, ou audiovisuais.
Confira!
Clique no link < Notas para uma narrativa: o fio de Ariadne >.
- Notas:
- [1] O conceito deve ser entendido no sentido de “produção, fabricação, criação. […] um produzir que dá forma, um fabricar que engendra, uma criação que organiza, ordena, e instaura uma realidade nova, um ser” (NUNES, 1991, p. 20).
- [2] O termo educação culturalizada foi tomado em conformidade com os textos de COELHO, Teixeira (org.). Cultura e Educação. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2011.
A AUTORA
Vera Haas
A coluna de Vera Haas em Histori-se é denominada “Diadorim“.
Conheça a coluna < DIADORIM >.