Celina Guimarães Vianna_ tse.jus.br_março_2021
E o fenômeno das janelas nos tempos novamente aconteceu. Desta vez, Histori-se foi até Minas Gerais, no final da década de 1930, e entrevistou a "primeira eleitora brasileira". Nossa entrevistada nasceu no ano de 1898 e viveu na cidade de Mossoró (RN) até o início da década de 1930.

HISTÓRICAS

Celina Guimarães Rosa

Histori-se: Bom dia! Que alegria a senhora conceder essa entrevista para Histori-se.

Celina Guimarães Viana: Alegria minha. Mas, não sei bem como isso está sendo possível. Olha, acho que o povo aqui irá estranhar uma mulher de calças compridas… Melhor conversarmos dentro de casa. [estávamos na frente da casa].

Histori-se: A senhora é a primeira eleitora brasileira?

Celina: Creio que sim. Mas, na época, a gente [referindo-se às mulheres] não podia votar no Brasil.

Histori-se: Como é isso? As brasileiras não podiam votar, mas a senhora é brasileira e votou?

Celina: No passado (1926), o Rio Grande do Norte teve que rever a lei eleitoral e, nessa revisão, o deputado Adauto da Câmara, por reclamação do Juvenal Lamartine (senador), apresentou emenda dizendo “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”.

Histori-se: Então, foi o Juvenal Lamartine quem conseguiu que as potiguaras pudessem votar?

Celina: Claro que não, menina! Nós, mulheres sufragistas, conseguimos. Juvenal Lamartine foi aliado e instrumento para esse feito. Só tinha homem na política… Então, até termos o direito de ocupar este espaço, que também deve ser nosso, tivemos que depender dos feitos desses aliados na causa do voto.

Histori-se: A senhora acha que essa aliança do senador Juvenal Lamartine com a causa do sufrágio feminino é por um senso de justiça dele?

Celina: Como saber o que vai nos corações e mentes? Sendo pragmática, esse senhor é um político e percebeu que nós, mulheres com direito ao voto, seríamos, também, eleitoras de quem nos fosse simpático. Veja o que digo, Juvenal Lamartine foi candidato ao governo do Rio Grande do Norte no ano de 1927.

Histori-se: E como a senhora se fez eleitora?

Celina: Pois então… Sei a Lei ‘de cor’ [diz emocionada]Lei número 660, de 25 de outubro de 1927, com a emenda: “Regular o Serviço Eleitoral do Estado”.  Essa foi a Lei que disse não haver mais distinção de sexo para votar e ser votado ou [sorri] votada. [pequena pausa] . A Lei foi sancionada no dia 25 de outubro de 1927 e no dia 25 de novembro; no primeiro momento, entrei com uma petição para que eu fosse incluída na lista de eleitores de Mossoró  [Celina morava na cidade de Mossoró]. Claro que o juiz só podia despachar acatando meu pedido, eu penso… Se não fosse assim, ele estaria não acatando a lei eleitoral do Estado.

Histori-se: Que emoção! Só a senhora fez o requerimento nesse dia?

Celina: Claro que não! Muitas potiguaras não aceitavam a injustiça que nos privava de  participação na vida política como eleitora, candidata ou exercendo cargos políticos. Estávamos ansiosas por esse momento. No mesmo dia, por exemplo, a Júlia Barbosa, também professora como eu, moradora de Natal, fez o mesmo requerimento. Só que eu cheguei mais cedo e o juiz de Mossoró despachou mais ligeiro [dá uma risadinha], então, figurei na lista como a primeira eleitora do Rio Grande do Norte e, por consequência, do Brasil [sorri].

Histori-se: Esse processo de pedir o alistamento como eleitora e votar foi calmo? Muitas mulheres votaram?

Celina: O exemplo das primeiras mulheres a se cadastrarem como eleitora fez com que muitas outras o fizessem. Uma encoraja a outra. Sabe como é… Mas muitas não conseguiram se alistar. Era mal visto mulher querer votar, motivos de chacota e até de ameaça. Mil anos dizendo que mulher não pode votar, que mulher não pode participar da vida pública. Então, não basta a escrita da Lei. A Lei é apenas o grande e essencial primeiro passo.

Histori-se: Como a senhora reagiu ao saber que os votos femininos para o Senado Federal foram anulados?

Celina: Com muita tristeza. Mas, naquela época, as brasileiras não podiam votar, portanto, penso que essa reação deveria ser esperada. Uma coisa eu digo, o movimento em prol do voto feminino só cresceu a partir de 1929.  A história das mulheres em busca de seus direitos é uma história de lutas e de muita persistência. Ainda é assim?

Histori-se: Sim, ainda é assim… A primeira eleição no Rio Grande do Norte, além de mulheres votando teve, também, mulher eleita como prefeita?

Celina: Sim. A Alzira Soriano.  Sabe que ela foi a primeira mulher a ocupar um cargo eletivo no Brasil? No, Brasil só não. Na América latina! Ela governou até a vitória da Revolução de 1930. Ela não considerou isso democrático… Explico: falaram para ela ser interventora municipal. Como? Ela foi eleita pelo voto. Não podia aceitar. Por isso, deixou a prefeitura e passou à oposição ao governo instalado.

Histori-se: A vitória da Revolução de 1930 foi um acontecimento difícil para a senhora e sua família. Foi após esse fato que mudaram para Minas Gerais?

Celina: Nem lembre. Tivemos que sair do Rio Grande do Norte por perseguição política ao meu amado marido. Mas Minas Gerais nos acolheu. Aqui, meu marido teve trabalho e estamos vivendo bem. A editora de Histori-se é mineira, né?

Histori-se: Sim. E, de certo modo, por caminhos diferentes dos trilhados pela família da senhora, foi a Revolução de 1930 que acabou reunindo parte dos antepassados dela aqui em Minas Gerais. Mas isso é outra história.

Celina: Quem sabe ela um dia nos conta.

Histori-se: Quem sabe. Mas agora temos que ir. A senhora sabe, essas aberturas nas janelas do tempo são rápidas.

Celina: Entendo, ainda não sabemos como funciona. Abraços e cuidem-se.

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Nota
Gostaria de conferir mais contéudo da seção Históricas? Confira <HISTÓRICAS – ENTREVISTA COM A CRIADORA DO JORNAL DAS SENHORAS  >.

Referências
SCHMAHER, Schuma e BRAZIL, Érico Vital (org). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Jorge Zahar, editora, 2000, p. 35, 36,147 e 148.

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