HISTÓRICAS
Fiquei cismando sobre esta mulher, seus feitos e sobre que ela seria. Digo da mulher para além do mito. De um pensamento para outro, comecei a pensar sobre como e quando Anita cruzou o espaço de invisilibidade feminina na historiografia brasileira para o cânone de heroína brasileira.
Coloquei a máscara e saí para uma rápida caminhada. Enquanto caminhava, observava várias mulheres no ir e vir cotidiano e, mais uma vez, lembrei a Ana Maria de Jesus Ribeiro. Quem? A Anita Garibaldi!
Quando abri a porta de casa, reconheci a luminosidade já não estranha atrás da janela que dá para o quintal. A Janela dos Tempos!
Pouco tempo depois, eu estava em Montevidéu (Uruguai), o ano era 1846. Em um terraço próximo, cabelos soltos, uma mulher mirava o horizonte… Era ela! Anita.
A ENTREVISTA
Alguns dias depois, nos conhecemos. Conversamos. Transcrevo a seguir um pouquinho de nossa conversa:
Anita – Meu nome Anna Maria de Jesus. Penso que sou uma mulher que vive o seu tempo. Nem sempre de acordo com o que de mim esperam. Nem sempre agindo de acordo com minha vontade.
Histori-se – Era casada quando conheceu Garibaldi?
Anita – Sim. Agora, sou casada com Garibaldi. Casamos aqui (Uruguai). Mas, quando tinha quatorze anos, casei com meu primeiro marido. Vivemos três anos casados.
Histori-se – No futuro, falam muito do seu amor por Garibaldi.
Anita – Como?
Histori-se – Falarão muito sobre sua pessoa. Será reconhecida como uma heroína. Uma heroína de dois mundos.
Anita – Verdade! Estranho. No Brasil, é Império. Lutei nas forças contra os imperiais. Muitos fofocam sobre mim porque, casada, me envolvi com Garibaldi. Mas quem dirá do que vivi e vivo?
Histori-se – Bom, acho que primeiro Garibaldi contará sobre sua história para um escritor muito famoso, o Alexandre Dumas, que escreverá sobre. Mas conte sobre seguir Giussepe Garibaldi mundo a fora.
Anita – Os farroupilhas ganharam batalhas e conquistaram Laguna. Conheci Garibaldi na casa de meu tio. Já tínhamos nos visto. Depois… (pausa). Bueno, depois de um tempo tive, assim, que ir com ele. Fui morar no barco que ele comandava, saímos pelo litoral, entramos em combate com os imperiais. (pausa). Nossa! Muitas lembranças…
Histori-se – Por que te chamam Anita?
Anita – (sorrindo). Ele, Giussepe, não consegue falar Aninha, que é como meus conhecidos me chamavam. Então, diz Anita.
Histori-se – Você, no futuro, será famosa pela sua coragem e por ser mulher lutando na Guerra dos Farrapos.
Anita – Mas não fui a única mulher nas fileiras farroupilhas! Não sou exceção na guerra. Muitas mulheres acompanham os homens quando em guerra. Sou muito corajosa, mas não sou a única mulher na guerra.
Fez uma pausa, seu olhar vagou ao longe…
Anita – Outras mulheres, também, acompanhavam os homens. Algumas suas mulheres, outras amantes, outras trabalhadoras que sozinhas ou junto aos seus homens acompanhavam as tropas. Cuidavam dos feridos, dos animais e, sim, muitas vezes, peleavam também. Pegavam em armas para defenderem os seus, se defenderem. Acha que a brutalidade das guerras respeita os marcham na retaguarda?
Histori-se – Verdade que foi prisioneira dos imperiais?
Anita – Sim. Quando os imperiais venceram a gente na água, seguimos as tropas de Canabarro rumo ao sul. Em um dos combates, acabei presa. Consegui fugir e, alguns dias depois da fuga, encontrei Giussepe.
Histori-se – Por que vieram para Montevidéu?
Anita – Ganhei meu primeiro bebê, Menotti. É muito duro a vida de um neném num ambiente de guerra, marchas, combates. No dia 21 de maio de 1841, chegamos aqui.
Histori-se – E aqui estão longe da guerra?
Anita – Não. De início, sim. Mas, agora, apenas eu sigo longe dos campos de batalha. Garibaldi luta ao lado das forças de Riviera. Um pouco depois de chegarmos aqui (1842), nos casamos, tivemos mais duas crianças: Rosita e Teresita. (pausa). Teresita já é um anjinho… (pausa) difteria, disseram ser o motivo.
Histori-se – Sinto muito pela sua filha.
Anita – Posso perguntar uma coisa? Você disse do futuro… Por que heroína de dois mundos?
Histori-se – Nossa! Ainda vive no ano de 1846. Não devo contar muito sobre suas escolhas no futuro. Mas a Farroupilha não será o único conflito onde você estará envolvida.
Anita – Sério?! Lutarei nesta guerra junto com Garibaldi?
Histori-se – Nesta, não. Mas, perdoe não devo contar muito sobre o futuro. De qualquer modo, preciso ir. Esse ventinho sinaliza que a janela dos tempos abrirá.
Conversamos mais um pouquinho. Retornei para Porto Alegre, agosto de 2021.
Anita está grávida. Pouco depois que seu filho nascer, ela partirá com as três crianças para Itália em dezembro de 1847. Desembarcarão em Gênova no mês de março de 1848. Garibaldi seguirá um pouco mais tarde e já estará comprometido com a causa da Unificação Italiana.
No ano de 1849, lutando junto de Garibaldi, no meio de uma retirada após combate com forças austríacas, Anita perdeu a vida. Era o mês de agosto, mês de seu aniversário.
Notas
1. Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro) nasceu em 30 de agosto de 1821.
2. Os farroupilhas ganharam os combates em Laguna e dominaram a região em 22 de julho de 1839.
3. A República Juliana foi proclamada em 29 de julho de 1839.
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