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Foto editada. Original disponível in stocksnap_ autor Vintage RS
Nem sempre nossos amores são para sempre ou como sonhamos. Confira mais um texto ofertado pela Cris Costi.

Úrsula
Mulheres que escrevem

Então, porque falta a última palavra, sento enfim pra escrever. Enquanto procuro, Viáfora canta aqui alguma coisa sobre aura, sobre pele, sobre orla, flutuação. Fala de mares, de mergulhos, de marolas. “Dentro de ti, as ondas do Havaí”.

Até minutos atrás, me doíam outras coisas. Adeuses abstratos, intangíveis, incomodando nem sei bem o por quê, que, nesse momento, tudo meio que  me confunde. Um pouco, te escrevo pela TPM – releva então a dor do que te escrevo. Outro pouco é só porque, depois desses dias de ausência de mim, dessa vez, eu só não quis te ouvir.

Mas hoje, diante do aquietamento, das mensagens que não trocamos, das fotos que não te enviei, fizeste teu movimento cotidiano de vir me buscar no meu silêncio. Quer saber? Eu tava cagando. Tava mesmo.
Mas aí, que merda é essa de só por trazeres a ameaça, por só me dizeres ‘pra mim, chega‘, eu já me irrito e já discuto e já te odeio e te respondo e já te busco e sinto medo?

No antes, não nos perdíamos assim. Havia o mar, teu corpo lindo, todo dourado em luz solar. Um blog com os textos que eu te lia em madrugada. Foi contigo que aprendi que só escrevo em estado de ardência. Por ti, eu encorajei. Bati as portas que estavam pra bater, mandei canções, te dei cantada. Diretíssima, flecha e alvo. Criei espaços virtuais, fiz inventário das tuas fotos, cantei Wave distraída. “E o resto é mar, é tudo que eu nem sei se ainda sei contar”.

No armário aqui do lado, algum CD guarda um arquivo dos textos que te mandei. Deixa contigo, me dizias, e eu suportei tantos segredos… Suportei ser escondida, esperei ser recebida, recebeste outra antes de mim. Nunca mais te dei perdão. Aquela frase linda que foi tua, em que te fiz pintura e tela, aquela frase em que te quis fluida feito um relógio do Dali, em que te chamei a dançar no turbilhão (tu, a revolução), aquela frase nunca mais nasceu em mim.

E eu parti sem bem partir. Recomecei, tudo certinho. Casa, cerca, cão e gato, jasmins no pátio da frente, finais de semana tranquilos. Serenidade, acomodação. Conforto, não desejo. Tudo ali. E tu, a distância. E tu, nos vãos, e tu, nos cantos; nós, a chave e a ignição. E tu, nos filmes mais pungentes. E tu, na bossa nova, nas flores raras, no olhar final da Cate Blanchett naquele filme de amor. E tu.

Tu, na cama, tu, na rima, tu na noite, tu na outra. Nesse disfarce de fim. Tu, nos textos que me voltam, na textura que me volta, no tremor entre os lençóis. Naquele abraço no chuveiro, tu, em nosso quarto de hotel. Tu, na pele e sob a pele, nua em pelo nos meus sonhos. Tu, que não vale o que te escrevo. Tu, na cidade submersa, tu, na cidade que é um vão. Me fazendo te catar em poesia, eu aqui, em noite fria, varrendo os teus vendavais.

Então, tu, sobre a minha cabeceira, tu, na mensagem que vibra, tu, na luz do celular. Tu, a última palavra, tua a palavra que falta: que juro que não vou ler, que juro que vou deletar.

A AUTORA

Autora: Cristiane Costi e Silva. Professora. Apaixonada pelas palavras. Achando, como bem disse Adélia Prado, que “a coisa mais fina do mundo é sentimento”.
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