90 anos da conquista do voto feminino no Brasil

Imagem de mulher votando
Fotografia editada. Original de Edilson Rodrigues __ Agência Senado [on-line].
24 de fevereiro
 História e suas manas
História das mulheres brasileiras
eleitora brasileira século XXI
Mulher votando no século XXI. Foto editada. A autoria do original é desconhecida.

90  ANOS DA CONQUISTA DO VOTO FEMININO NO BRASIL 

90 YEARS OF THE CONQUEST OF THE FEMALE VOTE IN BRAZIL
Imagem urna eletrônica
Imagem editada. Original sem referência de autoria.

Em 2022, comemoramos os 90 anos da conquista do voto feminino a nível nacional no Brasil.

Tal conquista, apesar de ter sido engendrada por homens nas sessões de discussões e nos bastidores que culminaram na reforma das leis eleitorais no Brasil, também contou com a pressão e com a intervenção de muitas mulheres que ergueram sua voz para pedir o voto.

seta

Introdução

No dia 24 de fevereiro de 1932, o chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Dornelles Vargas, apôs seu nome em mais um dos tantos decretos que vinha assinando desde que assumiu o posto mais elevado da Nação.

O decreto em questão, que recebeu o número 21.076, era o novo Código Eleitoral. Documento que trazia nas suas linhas a promessa da volta ao regime constitucional para o país.

Desde outubro de 1930, quando ocorreu a Revolução e o Senado, as Câmaras Federal, Estaduais e Municipais foram dissolvidas, o país vinha sendo governado por meio de decretos e das vontades de Getúlio Vargas e dos que – com ele – tomaram o poder.

No momento em que os revolucionários tomaram o poder os brasileiros – e as brasileiras – passaram ter grandes expectativas de uma maior participação política na vida nacional e de uma moralização na vida eleitoral em geral.

Assim, logo após assumir o governo, Getúlio Vargas determinou a criação de uma Comissão Legislativa para estudar e reformar as leis do país. Uma das subcomissões, a mais esperada, era a da Legislação Eleitoral.

O resultado final de seus estudos gerou o referido Código, que, entre as inovações propostas, criou a Justiça Eleitoral, instituiu o voto secreto e o voto feminino no Brasil.

setaÉ muito comum – ainda – ouvirmos que as mulheres brasileiras foram agraciadas na década de 1930 com esse direito ou ainda que Vargas “concedeu” o sufrágio para as mulheres sem que elas o solicitassem.

Trago, como exemplo dessa abordagem, um livro (sobre a vida de Getúlio Vargas) escrito por Lira Neto, que assim se refere à conquista do sufrágio feminino no Brasil: “O anteprojeto do código eleitoral previra que o sufrágio feminino ficaria restrito a alguns casos específicos, […]. Getúlio, entretanto, decidiu simplificar a lei e todas as restrições ao voto feminino foram abolidas” (NETO, 2013, p.141).

Ao ler a última frase do excerto, qual é a percepção que nos fica sobre o fato relatado?

Uma possível interpretação das palavras de Lira Neto foi que Vargas, sozinho, resolveu retirar todas as restrições ao voto feminino e deu esse de presente para as brasileiras.

Mas será que foi assim mesmo que aconteceu?

Bonequinho indicando dúvida

Um pouco dessa história
seta
Se hoje, em pleno século XXI, pouco se conhece sobre essa história, muito se deve ao fato de que “o silêncio sobre a história das mulheres também advém do seu efetivo mutismo nas esferas políticas, por muito tempo privilegiadas como os locais exclusivos do poder” (PERROT, 1998, p.185).

Tal mutismo, lembrado por Michelle Perrot, nos faz ter algumas leituras equivocadas sobre a conquista do voto feminino no Brasil.

seta

A invisibilidade da mulher na história oficial assim foi descrita por Joan Scott:

[…] a maior parte da história das mulheres tem buscado de alguma forma incluir as mulheres como objetos de estudo, sujeitos da história […].

Entretanto, desde que na moderna historiografia ocidental, o sujeito tem sido incorporado com muito mais frequência como um homem branco,

[…] reivindicar a importância das mulheres na história significa necessariamente ir contra as definições de história e seus agentes já estabelecidos como ‘verdadeiros’, ou pelo menos, como reflexões acuradas sobre o que aconteceu (ou teve importância) no passado
(SCOTT, 1992, p.77).

setaDurante muito tempo, a esfera política e pública foi vetada às mulheres, que, ali, eram vistas com estranheza e desconfiança.

A busca pelo reconhecimento da cidadania política feminina foi uma das primeiras lutas travadas pelas mulheres no mundo ocidental.

setaDesde as esparsas manifestações ocorridas ao longo do século XVIII e XIX, em prol do direito da mulher votar e ser votada, até a sua conquista definitiva na década de 1930, muita coisa aconteceu.

O sufrágio realmente universal no Brasil demandou mais de quatro décadas de um processo de lutas que envolveram homens e mulheres em vários momentos da nossa história.

setaPara entendermos o processo que reconheceu as brasileiras como cidadãs aptas a participar do mundo político, devemos compreender que um dos argumentos mais recorrentes contra os direitos da mulher de votar e de ser votada era que a família, como instituição, corria o risco de ser desagregada se as mulheres participassem do jogo político.

A mulher, ao obter esse direito estaria subvertendo a “ordem natural e universal dos sexos” ao intrometer-se no mundo público masculino, desorganizando a vida doméstica e maculando a imagem do anjo do lar e mãe de família.

setaPeter Gay bem resume a situação em que a maioria das mulheres estava sujeita na época em questão:

Até o final do século XIX, quando as feministas conseguiram derrubar algumas das maciças muralhas dos privilégios legais masculinos, as mulheres foram frustradas em suas reivindicações de administrar suas propriedades, de testemunhar nos tribunais, ou controlar suas próprias contas bancárias.

À parte algumas esparsas e heroicas exceções, não tinham acesso ao voto, à educação superior e às profissões liberais.

Todos os passos no sentido da igualdade eram furiosamente contestados e só conseguiram abrir caminho, quando conseguiram, após várias derrotas (GAY, 2001, p.303).

setaA partir do final do século XIX, a participação na vida política passou a ser prioridade do movimento feminino em várias partes do Ocidente, inclusive no Brasil. Rachel Soihet aponta que:

o século XIX teria em toda parte acalentado uma crença nas esferas isoladas da feminilidade e da masculinidade que chegaria aos extremos de uma fé religiosa, e sempre que essas fronteiras foram ameaçadas, argumentos em defesa das absolutas diferenças entre os sexos foram enfiadas na brecha aberta.

[…] A crise da identidade sexual afetou também os homens, o que explicaria a sua reação desmesurada às postulações femininas de participação na sociedade (SOIHET, 2000, p.98-99, grifo no original)

setaRoderick Barman, no seu estudo sobre a princesa Isabel, informa que, apesar de todas as restrições impostas às mulheres, elas “sempre estiveram no processo político, se não formalmente, ao menos por trás, nos bastidores” (BARMAN, 2005, p.11).

  O fato de a presença das mulheres nem sempre ser explícita nos recônditos do poder fez com que esta fosse, para elas, uma das fronteiras mais difíceis de ser cruzada: a fronteira entre o mundo público e o privado.

setaA ordem do mundo, bem como o papel que as mulheres desempenhavam nele, começou a ser questionada de uma forma mais organizada somente no século XIX, com o surgimento de associações femininas que ajudaram a pressionar a sociedade e modificar o status quo.

Cito o nome de algumas das brasileiras que solicitaram direitos no período:

  • Josefina Alvares de Azevedo (dona e redatora do jornal Família),
  • Leolinda de Figueiredo Daltro (professora, indigenista e fundadora do Partido Republicano Feminino),
  • Bertha Maria Julia Lutz (bióloga, advogada e presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino),
  • Elvira Komel (advogada e fundadora do Batalhão Feminino João Pessoa) e
  • Natércia da Cunha Silveira (advogada e fundadora da Aliança Nacional das Mulheres).
Natércia da Cunha Silveira
Natércia da Cunha Silveira discursando a bordo do navio Amazonas, maio de 1928_ Acervo Arquivo Nacional

Essas e muitas outras foram responsáveis por erguer sua voz no espaço público e exigir igualdades no tratamento e nas leis.

seta

A Promulgação do Código Eleitoral e o Voto Feminino

Em 1932, com a promulgação do Código Eleitoral,  as brasileiras passaram a poder escolher se queriam ou não participar da vida política do país.

Decisão que, até aquele momento, era-lhes vetada.

1932_mulheres votando
1932_eleições_Fonte: TSE.

As expectativas de homens e mulheres, de uma maior participação na vida política e de uma “moralização” nas lides eleitorais, parecem que foram alcançadas, em um primeiro momento, com o término da reforma das leis eleitorais, que

reconheceram o voto feminino, sacramentaram o voto secreto e instituíram a Justiça Eleitoral no Brasil, órgão destinado a fiscalizar as eleições no Brasil, numa tentativa de eliminar as fraudes no sistema eleitoral.

Imagem de mulher votando
Fotografia editada. Original de Edilson Rodrigues __ Agência Senado [on-line].

Finalizando

Na história da conquista do voto feminino no Brasil, as décadas de 1920 e de 1930 merecem um destaque especial, por terem sido as décadas em que as brasileiras se uniram em prol de sua cidadania e o momento no qual foi reconhecido, na forma da lei, o voto feminino.

Dilma Rousseff_foto oficial
Foto Oficial Presidenta Dilma Rousseff. Autor: Roberto S. Filho. In Wikipédia.

Outra data importante foi a posse de nossa primeira presidenta, Dilma Roussef em pleno século XXI. No primeiro dia de janeiro de 2015, ela sancionou  a Lei nº 13.086 de 8 de janeiro de 2015 que determinou a inclusão do dia 24 de fevereiro – “Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil” – no Calendário Oficial do Governo Federal. Reconhecendo assim, oficialmente, a conquista do sufrágio feminino no Brasil.

Mulher caiapó votando
Mulher caiapó votando. _Foto de Dida Sampaio _Agência Estadão disponibilizada na Enciclopédia Britânica [on-line].

História que ainda precisa ser reconhecida e conhecida por todos nós, brasileiros e brasileiras.

   A  AUTORA
 Mônica Karawejczyk

Mônica Karawejczyk
Pesquisadora e feminista. Graduada em História pela UFRGS, Mestra pela PUCRS, Doutora pela UFRGS. Atualmente faz seu pós-doc na PUCRS com bolsa do programa PNPD-CAPES. Autora de artigos e livros dos quais destaca: A Mulher deve votar? (2019) e As filhas de Eva querem votar (2020).

seta

Referências
  • BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil. Gênero e Poder no século XIX. São Paulo: UNESP, 2005.
  • GAY, Peter. A Experiência Burguesa da Rainha Vitória a Freud: o cultivo do ódio. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
  • KARAWEJCZYK, Mônica. Mulher deve votar? O Código Eleitoral de 1932 e a conquista do sufrágio feminino através das páginas dos jornais Correio da Manhã e A Noite. Jundiaí (SP): Paco, 2019.
  • KARAWEJCZYK, Mônica. As filhas de Eva querem votar: uma história da conquista do sufrágio feminino no Brasil. Porto Alegre: Edipucrs, 2020.
  • NETO, Lira. Getúlio: do Governo Provisório à ditatura do Estado Novo (1930-1945). São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
  • PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
  • SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (org.) A Escrita da História. Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.
  • SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres e a militância feminista de Bertha Lutz. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n° 15, set.out.nov.dez. 2000.
Créditos de Imagens:
  • Desenho com dúvida – Autoria de Elisa Riva in Pixabay_2021

Escrito por
Veja mais de Históricas
CONFISSÃO
Faço poemas quando nada mais posso fazer
leia mais