Uma breve introdução
Este post é um complemento do < Resistência > . O objetivo é trazer um pouco do contexto histórico em que o filme se ambienta através de alguns dados e definições de conceitos.
A história acontece durante a Segunda Guerra Mundial, sendo que a maior parte do roteiro acontece na França, em especial, na França de Vichy.
A narrativa começa um pouco antes da data oficial do início desse terrível conflito.
É um drama biográfico baseado na biografia de Marcel Mangel, artista conhecido como Marcel Marceau.
Marcel nasceu no ano de 1923 e faleceu em 2007, com 84 anos.
Na época da Segunda Grande Guerra, assim como muitas outras pessoas, ele era um jovem civil que teve a vida atropelada pelo conflito.
Marcel e sua turma de amigos fazem parte da coleção de heroínas e heróis anônimos.
Lutaram a luta cotidiana de sobreviver e ajudaram a viver e lutar… em meio à catastrófica guerra.
Lembro que você pode acompanhar a minha conversa com o professor Leo Prado sobre este filme. Como?
Clique no link a seguir < Resistência>.
CRONOLOGIA E CONTEXTO
1938
O início do filme é datado no ano de 1938.
As primeiras cenas nos apresentam alguns personagens na Alemanha Nazista e outros em Estrasburgo, antes do nazismo alcançar a França.
O governo, capitaneado por Adolf Hitler, na Alemanha, teve início no ano de 1933 e – entre 1933 e 1938 – se preparou para a guerra e para a expansão.
Observe, a seguir, exemplos da ação militar e política da Alemanha no ano de 1938:
- 11 a 13 de março de 1938: Alemanha anexou a Áustria (Anchluss).
- 29 de setembro de 1938: Alemanha anexou a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia. Nesta data, Grã-Bretanha, França e Itália assinaram o Acordo de Munique, documento que obrigou a República Tchecoslovaca a ceder a região dos Sudetos para os alemães.
A primeira cena do filme Resistência nos apresenta a família da personagem Elizabeth, vivendo em Munique, na Alemanha.
A noite do dia 09 para o dia 10 de novembro de 1938 ficou conhecida como a Noite dos Cristais.
A NOITE DOS CRISTAIS
Entre os dias 09 e 10 de novembro, aconteceu uma onda de violência, estimulada por autoridades nazistas, contra a população judaica que vivia na Alemanha. Espancamentos, assassinatos, sinagogas queimadas, casas e estabelecimentos de comércio vandalizados e/ou saqueados. Aproximadamente, 30 mil judeus alemães foram presos, sendo a maior parte encaminhada para campos de concentração.
O governo alemão alegou que a culpa pelo pogrom era das vítimas, ou seja, da comunidade judaica; pois um oficial alemão foi assassinado na capital francesa (Paris) e – de acordo com as autoridades nazistas – esse fato revoltou a população alemã.
Além de acusar judeus pela violência sofrida, o governo de Hitler ainda aplicou uma multa de grande valor à comunidade judaica.
A Noite dos Cristais é também conhecida como “Noite dos vidros quebrados” ou “Kristallnacht”.
OS INDESEJÁVEIS DO III REICH
O governo nazista tinha uma grande lista de pessoas que classificava como indesejáveis ou nocivos. Estar nessa lista poderia ser por questões, por exemplo, de ordem racial, conduta pessoal, ideológica.
Os judeus foram os mais destacados. Com a ascensão nazista ao poder, foram alvos de diversas ações antissemitas. Observando a história, percebemos que, até o ano de 1939, a política foi os obrigar à emigração.
Mas, além dos judeus, havia, por exemplo:
- eslavos;
- ciganos;
- comunistas e outros adversários políticos alemães;
- pessoas com deficiências;
- homossexuais.
1939
A política das alianças, a ideia de que o regime nazista limitaria as suas ambições, o receio de um grande conflito foram algumas das razões para uma politica conciliatória dos países líderes da Europa Ocidental para com o governo de Adolf Hitler. Essa política, em resumo simplório, foi ceder aos desejos da Alemanha.
No Brasil, o artista Belmonte apresentou essa percepção através de suas charges. Veja o exemplo exposto, a seguir:
O ano de 1939 trouxe a certeza de que o Terceiro Reich tinha mais intenções e ceder às suas pressões, apenas facilitou o que era inevitável: a guerra.
A Alemanha dominou todo território da Tchecoslováquia no mês de março e em 23 de agosto, assinou um pacto de não agressão com a União Soviética: o Pacto Ribbentrop-Molotov .
Esse acordo previu a divisão de regiões do Leste Europeu entre as duas nações e representou um grande passo para a invasão e domínio da Polônia.
A Polônia foi invadida pela Alemanha no dia 01 de setembro de 1939.
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
(1939 – 1945)
A Grã-Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha.
As declarações de guerra, no entanto, não significaram reais ajudas aos poloneses, que acabaram dominados.
1940
Enquanto França e Inglaterra se preparavam para a guerra com a Alemanha,
o governo de Hitler fez mais movimentos no tabuleiro da guerra: no dia 09 de abril de 1940, invadiu a Dinamarca e a Noruega.
Os aliados, França e Reino Unido, enviaram uma força de ajuda militar aos dois países.
Esse contingente militar foi derrotado pelos nazistas.
A FRANÇA DE VICHY
Marcel, personagem de nosso filme, tinha 17 anos.
Ele, amigos e familiares receberam a notícia: deveriam sair de onde viviam.
Moravam em uma zona fronteiriça com a Alemanha.
A guerra estava chegando ao território francês.
De acordo com o calendário judaico, iria ter início o ano de 5.700.
10 de maio a 22 de junho de 1940
Nesse período, o Terceiro Reich invadiu Luxemburgo, Holanda, Bélgica e França.
A vitória da Alemanha sobre a França foi rápida.
Quando a derrota era algo concreto, o governo francês sofreu uma mudança de governo.
No dia 10 de julho de 1940, Philippe Pétain foi aprovado pela Assembleia Nacional francesa como novo governante.
Essa ação marcou o início do Regime de Vichy ou França de Vichy.
Um governo de perfil ultraconservador.
A França, sem condições de deter o avanço das forças alemãs, se rendeu no dia 17 de junho e , em 22 do mesmo mês, assinou um armistício com a Alemanha.
O tratado foi aviltante para a França. Cito dois pontos:
- Aos alemães, era facultado, inclusive, monitorar ações do governo francês e intervir em questões, por eles, entendidas como de segurança.
- Apesar de todo território francês ter ficado sob uma única jurisdição civil (a francesa), ele foi, praticamente, dividido em duas regiões.
O norte e a linha litorânea do Atlântico estava sob controle alemão e tinha sede em Paris.
O restante do país continuou sob governo francês.
França de Vichy
Governo francês de julho de 1940 a agosto de 1944.
- A região governada pelos franceses ficou conhecida como a França ou o Governo de Vichy.
- Além da região de Vichy, essa parte da França era integrada pelas áreas pertencentes às cidades de Lyon e de Marselha.
Não pense em um governo de resistência aos nazistas.
O Governo de Vichy é entendido como colaboracionista.
Vichy? Por quê?
Com Paris certa de ser tomada pelos alemães, o governo francês entendeu que perderia a sua capital e, ainda que de forma provisória, se transferiu, em 10 de junho de 1940, para a cidade de Tours.
No dia 14, se instalou em Bordeaux, no sudoeste do país e, pouco antes da rendição formal francesa e da assinatura do armistício, seguiu para a cidade de Vichy .
A França 1940 – 1944
A mesma Assembleia que colocou o Marechal Pétain como chefe de governo deixou de existir em 10 de julho.
Para os franceses e os diversos estrangeiros que estavam em seu território, teve início um período complicado. O novo governo da França e os ocupantes alemães ordenaram para que a população retomasse a sua vida normal; contudo … o normal estava diferente.
Ao regime de Vichy, houve apoiadores e opositores tenazes e, ainda, os comuns.
Quem são os que aqui classifico, para fins didáticos, como os comuns?
As pessoas que não apoiavam e nem demonstravam oposição ferrenha à nova realidade; aquelas que não se uniram a movimentos de resistência na França, mas que, também, não estavam entre os simpatizantes do Governo de Vichy e as que somente buscaram sobreviver àquele período da forma que conseguiam.
Quando pensamos no Governo de Vichy, devemos considerar que, se o seu início é datado do início da invasão alemã, a sua raiz se desenvolveu tempos antes na sociedade francesa, em especial, no período entreguerras, onde percebemos, por exemplo: o aumento de discursos conservadores e do antissemitismo..
“Penso, logo existo – não luto”
A frase é dita pelo personagem Marcel no filme Resistência.
Assim, ele resumia sua decisão de não se juntar à Resistência Francesa.
A fita nos mostra que o jovem, então com 17 para 18 anos, mudou de ideia.
A vida não era fácil na França naquele período!
Além dos nazistas, havia colaboracionistas franceses em todos os setores da vida cotidiana.
Alguns colaboravam por espontânea decisão, outros por medo.
A ausência de censos listando as pessoas como estrangeiras ou por credo religioso, de início, era um complicador para a ação nazista.
Mas em setembro de 1940, listagens com essas pessoas começaram a surgir: judeus e/ou estrangeiros foram obrigados a se registrarem nos estabelecimentos policiais da França.
A França também elegeu os seus “indesejáveis” e os perseguiu.
Nessa lista, encontramos “indesejáveis” também para os nazistas. Cito quatro exemplos: judeus, ciganos, comunistas, homossexuais.
RESISTÊNCIA NA FRANÇA
Marcel e companheiros se unem a um grupo da Resistência Francesa com sede na cidade de Lyon.
Marcel tem 18 anos.
As cenas que envolvem a participação dos jovens na Resistência Francesa, para alguns, causam estranheza. Cito motivos:
- O líder do grupo da Resistência em Lyon é a líder: uma mulher;
- um dos integrantes é um homem negro;
- a participação de ingleses e de outros estrangeiros no grupo.
O roteirista e diretor demonstram, com ou sem intenção, que a Resistência Francesa, era uma Resistência ao nazismo que acontecia na França.
Grande parte de seus integrantes ou simpatizantes eram estrangeiros. Mulheres participaram da Resistência Francesa.
As forças resistentes ao Terceiro Reich na França temiam também a polícia e os paramilitares franceses da República de Vichy.
O mesmo vale dizer sobre as pessoas que, em atos isolados ou ordinários, demonstravam oposição ou desagrado ao governo francês ou aos nazistas.
A atuação da Resistência Francesa foi intensa, mas, quando falamos em Resistência Francesa, convém ressaltar que ela não foi um feito, apenas de franceses.
Por isso, hoje, encontramos a referência: Resistência na França.
RESISTÊNCIA
Podemos começar reforçando a não existência de um único grupo ou movimento de resistência aos nazistas na França.
Do mesmo modo, variadas eram as motivações, ideias e formas de ações desses grupos.
Importante provocar a reflexão e perguntar à história sobre o que seria resistência naqueles tempos e naquelas condições?
CONCLUINDO
ALGUMAS DATAS DE APOIO:
- 8 de novembro de 1942 – Territórios franceses, sob governo da República de Vichy, na Argélia e no Marrocos, sofreram invasão das forças aliadas.
- 11 de novembro de 1942 – A Alemanha ocupou o sul da França. O motivo? O receio provocado pelo avanço das forças aliadas.
- 06 de junho de 1944 – Desembarque de tropas aliadas na Normandia (França): “O Dia D“. Nova frente de combate com as forças alemãs.
- 15 de agosto de 1944 – Desembarque de tropas aliadas perto da cidade de Nice, sul da França.
- 20 a 25 de agosto de 1944 – Libertação de Paris. A guerra pela expulsão das tropas do Terceiro Reich de todo o território francês continuou até o início de 1945.
- 07 de maio de 1945 – Rendição alemã às tropas aliadas ocidentais. A rendição às tropas soviéticas aconteceu no dia 09 de maio.
NOTAS:
- No início do filme, Marcel vivia na cidade de Estrasburgo..
- Em 1939, os Aliados eram o Reino Unido e a França.
- A União Soviética compôs a força aliada após junho de 1941, e os Estados Unidos, a partir de dezembro do mesmo ano.
- Apenas a Alemanha e a Itália eram o Eixo até setembro de 1940, quando o Japão aderiu ao grupo, mas, durante a guerra, o Eixo recebeu colaborações de outros países.
- No dia 10 de julho de 1940, a Itália declarou guerra à Inglaterra e à França.
- De Gaulle e outros franceses, após fugirem da França, criaram o movimento “França Livre”. Alguns países, inclusive, reconheceram De Gaulle como governante francês, ou seja, não reconheceram o Governo de Vichy como legitimo.
- Muitos núcleos de resistência armada eram formados por comunistas ou tinham um alto percentual de seus integrantes que se identificavam como tais. Por exemplo, em Paris, o grupo da resistência era chefiado pelo francês Henri Rol-Tanguy que, assim como a maioria de seus liderados, era comunista.
- O Governo de Vichy usava como lema “Trabalho, família, pátria”, frase que era lema identificado como da extrema-direita francesa. [ Travail, Famille, Patrie].
- *Charge de Belmonte datada de 19/09/1938. Texto que acompanha a ilustração – Neville Chamberlain, primeiro ministro do Reino Unido, diz a Hitler: “Há muito tempo que o Sr. está aí incomodando minha afilhada! Falemos claro: as suas intenções não são boas?“. Hitler responde: “Não Senhor“. Neville retruca: “Ah! Bom! Pensei que as suas intenções não eram boas…”
Como citar este conteúdo?
CARRA, Patrícia R. Augusto. Resistência na França de Vichy. Histori-se, 2023. Disponível em <https://historise.com.br/resistencia-na-franca-de-vichy/ >. Acesso em: dia, mês, ano. ISSN: 2763-8790.
Referências:
- Mapa ocupação francesa 1940 a 1944. Enciclopédia Britânica. In: < https://www.britannica.com/event/Vichy-France>. Último acesso em junho de 2023.
- Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Enciclopédia do Holocausto. In: < https://encyclopedia.ushmm.org/ >. Último acesso em: junho de 2023.
- AZÉMA, Jean-Pierre e BÉDARIDA, François (dir.). Vichy et les Français. France, Fayard, 1992.
- BELMONTE. Caricatura dos tempos. Melhoramentos. Círculo do Livro, 1982.
Sugestões bibliográficas:
- CATROGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001.
- GILDEA, Robert. Combatientes en la sombra: Una nueva perspectiva histórica sobre la Resistencia francesa. Editora Penguin Random House – Grupo Editorial España, 2016.
- PAXTON, Robert. La France de Vichy (1940-1944). Paris, Seuil, 1997.
- ROLLEMBERG, Denise. Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo: Alameda, 2016.
- ROUSSO, Henry. Le syndrome de Vichy: 1944 à nos jours. Paris: Seuil, 199
- SÉMELIN, Jacques. “Qu’est-ce que ‘résistir’?”. Esprit. Paris, n.198, 1994.