Coluna Diadorim
Um Brinde!
Gostavam de dançar.
Reuniam-se a cada quinzena para irem a uma festa em que pudessem movimentar o esqueleto, diziam.
Da roda de samba no morro ao clube burguês da zona sul – tudo era válido!
Eram amigas há muitos anos e compartilhavam, além do gosto pelas festas, segredos íntimos, afetos e, claro, algumas maledicências.
Naquela noite, estavam em um baile com música latino-americana para “a melhor idade” – um termo que elas menosprezavam.
Ainda assim, não deixariam de se divertir por causa do mau gosto no anúncio do evento.
O conjunto interpretava sucessos de várias épocas mas, em especial, dos anos 1960 e 1970.
– Assim que eu gosto – comentou Paula, explicando que Mambo nº5 era uma música de sua juventude. – Em casa, quando eu era pequena, ouvíamos música cubana, mexicana…
– E eu amo qualquer uma das músicas do Cachao. Lembram… O Rei do Mambo! – anunciou Ágatha.
– Um brinde ao mambo e ao samba – comandou Dandara.
Ergueram os copos e brindaram à vida, a Rita Lee, à amizade…
No grupo, aos 70 anos, Paula era aquela com mais idade e, também, a mais curiosa.
Seus olhos vasculhavam o entorno.
– Não olhem agora, tá? Ali, bem perto do palco, parado, é o Fernando, ele é ginecologista. Trabalha no Hospital Conceição.
Foi casado com a Lurdes, que morreu há uns oito anos de câncer, um horror… Câncer na mama…Lembram deles?
– Que lembrança! – protestou Aracy, erguendo a taça de vinho ao som de Perfídia. – Gente, é uma noite de festa!
– Claro! – Paula concordou –. Então, esse Fernando agora está de caso com aquela loira oxigenada, ali, que está dançando.
Ela se chama Sílvia e é esposa de um médico do mesmo Hospital Conceição, um oncologista.
– Aquele que está dançando com ela é o marido?! – quis saber Ágatha.
– Esse mesmo. – respondeu a bem falante senhora – O Fernando e a Sílvia são uns artistas.
Nem se olham, se cumprimentaram ainda há pouco como se nem se lembrassem um do outro…
– Foi essa Sílvia que queria viajar ao Egito para visitar o shopping? – retornou Ágatha.
A gargalhada foi uníssona.
– Quanta gentileza, Ágatha. – e Aracy ainda trazia a risada no rosto.
Paula já tinha um novo assunto a dividir com as amigas.
– Tem tanta mulher mais jovem que nós com câncer… No andar térreo do nosso prédio, a dona Zenaide descobriu muitos nódulos no ovário. – comentou como que penalizada. – E ela tem só 50 anos…
– Paula, como tu sabe tanta fofoca? – quis saber Aracy.
– Graças às centrais de fofoca da região: a recepção do prédio onde moro e a piscina do Clube dos Jangadeiros!
– Eu conheço o marido da Zenaide, um bom homem. No colégio, namorei o irmão dele, o Agenor. Que tristeza uma coisa dessas… – lamentou Aracy.
– Verdade. – e Dandara brincava com o copo de chopp entre as mãos.
– Ah, “La Bamba”!!! – entusiasmou-se, quebrando a inesperada melancolia.
– Essa não podia faltar! – concordou Aracy já em pé.
– Quem vem comigo pra pista?
Dandara ergueu-se prontamente. Depois da canção famosa, vieram as cúmbias.
Sozinhas e com um grupo que fez uma roda para quem quisesse entrar, elas dançaram a valer.
Quando sentaram, Paula e Ágatha tinham mais uma leva de informações sobre os homens presentes naquele baile.
– Aquele barrigudo, ali, o Alexandre, namorei anos depois do Virgílio falecer. Meu marido e ele assistiam aos jogos do Grêmio juntos. – contou Ágatha.
– Como ficou feio… Ele se aposentou na Secretaria de Agricultura.
– E o teu marido era bonito, aprumado, elegante. – comentou Dandara.
– Verdade. Só que, quando namorei o Alexandre, ele também era bem gostoso. – esclareceu Ágatha.
– Tá! – interrompeu Aracy sorridente, provocando – Quem aqui foi pra cama com quem? Não tem tantos homens assim nessa festa…
Riram divertidas. A essa altura, Aracy já ensaiava uns olhares para um homem alto e negro, encostado no balcão do bar, entretido por um grupo em animada conversa.
E ele parecia retribuir o interesse: de quando em quando, voltava os olhos na direção dela e sorria.
– Bah, Aracy, o cara ali está te paquerando! Passei pelo grupo aquela hora, quando fui no banheiro. Pelo sotaque, é baiano. – explicou Paula.
– Hum… Estou me sentindo poderosa! – brincou Aracy. – Gente, essas festas, nós todas juntas, os meus desejos ficam mais intensos!
– Idem! – informou Dandara acenando para Ugo, que acabara de deixar a pista de dança.
Ela foi até o ex., abraçaram-se.
Dandara e Ugo mantinham aquela amizade em que o sexo casual era parte do laço que os unia.
– Todas juntas mais ou menos! A Vale está viajando… Como gosta de viajar! – lembrou Ágatha.
– Sim, bem lembrado. Valentina está em Piranhas! – emendou Paula para diversão das amigas.
E curiosa, perguntou:
– E aí, Ágatha? Ainda contando com a “ajuda profissional”?
– Sim, Paula, e aprecio cada vez mais! Querem o número dele?
– Não, imagina.
– Imagina o quê, Paula? Ele é profissional, jovem, bonito, gostoso e está preparado para mexer contigo, despertar a fêmea escondida aí!
– Quem sabe um dia?… – respondeu Aracy, ocupada com o baiano que cruzava o salão. – Sempre achei que, pra isso, tu seria a mais ousada, Ágatha.
– Posso te passar o número dele agora…
– Hum, quando eu for usar – Aracy ampliou o sorriso – , te peço.
“Hoje, trago no olhar imagens distorcidas, cores, viagens, mãos desconhecidas...” – Aracy cantarolou.
O homem negro chegou à mesa.
Convidada, Aracy levantou-se para acompanhar o par em um bolero.
– Paula, já viste um filme chamado Boa sorte, Léo Grande?
– Não. Onde posso assistir?
– Nos telecines. Talvez já esteja na Netflix… É muito bom! Tu vais gostar
Dandara dançava com Ugo;
Aracy, com o baiano.
Paula ficou curiosa, quis saber o enredo do filme.
Ágatha se dispôs a contar sem dar spoiler e, como chamariz para a amiga, avisou:
– A personagem principal é vivida pela Emma Thompson.
Crônica de Vera Haas
Notas:
- A autora dedica a crônica à Clara.
- Filme: Do jeito que elas querem – 2018 – Imagem de divulgação.
- Filme: Good Luck to You, Leo Grande (Boa Sorte, Leo Grande) – 2022. Imagem de divulgação. Na cena, Nancy Stokes (Emma Thompson) e Leo Grande (Daryl McCormack) dançam.
- Imagem destacada: arte da editora de Histori-se.