Arte: Editora de Histori-se
e o cunhadismo.

M’bicy; Bartira; Potira; Flor da árvore ou Flor perfumada e de cor viva.

Contam que ela nasceu M’bicy. Filha de Potira e de Tibiriça.

Assim como outras meninas de seu povo, Bartira cresceu acompanhando sua mãe e as demais mulheres.
Aos poucos, foi aprendendo os mistérios do universo das mulheres e sobre o esperado do sexo feminino, pelo seu povo.

Às mulheres, cabia o gestar, o parir, o nutrir.
Eram elas que semeavam, cuidavam da plantação, colhiam, preparavam o alimento. Teciam a rede, faziam cestos, cerâmicas e adornos.

Quando cresceu, ela passou pelo ritual para ser considerada adulta,
deixou de ser chamada M’bicy, ganhou o nome Bartira e ficou em condições de se casar.

O marido seria um tio materno ou um primo cruzado.

Havia a chance de ser alguém, originalmente de fora da aldeia ou seja, um estrangeiro. Esse foi o destino de Bartira.

Seu pai, Tibiriça, era o poderoso chefe indígena da aldeia, Inhapuambuçu (ou Piratininga), localizada no Planalto de Piratininga, no território do atual Estado de São Paulo.

Tibiriça e seus guerreiros controlavam parte do Caminho do Mar. Eram fortes e temidos.

Tinham alianças com outras aldeias e, também, rivalidades.
Algumas inimizades eram perenes, outras, eram efêmeras ou ocasionais.

A Aliança

Um dia, Caiubi, chefe da aldeia Jerubatuba, apresentou um estrangeiro para Tibiriça.

O homem era João Ramalho, nascido em terras portuguesas, vivia no litoral brasileiro.

Após conhecer o forasteiro, Tibiriça pesou as vantagens de uma aliança com o novo conhecido.

Um parente estrangeiro, nativo ou europeu, poderia ser útil?

Analisando a partir da ótica sociocultural dos povos tupis: dependendo do sujeito, a resposta é afirmativa.

No caso de João Ramalho, podemos inferir que, Tibiriça e seu povo viram possibilidades como maior poder de combate – tanto contra os seus inimigos tradicionais, quanto contra inimigos ocasionais – através de armas da cultura do forasteiro.

Aqui, cabe uma consideração:
os europeus, em especial, portugueses, aos poucos, passaram a se intrometer no sistema de belicosidade e nas guerras dos povos nativos.
Isso aconteceu de maneiras diversas, cito: ao fornecer armamento ou ferramentas que podiam ser convertidas em instrumento bélico; ao incitar rivalidades; ao instigar a entrega de prisioneiros indígenas aos europeus.

A aliança com João Ramalho foi selada através do casamento deste com Bartira.

A partir desse acontecimento, o noivo foi entendido como parente da família de Tibiriça e, como tal, segundo a cultura da noiva, tinha deveres e direitos.

João Ramalho já tinha esposas: uma em Portugal e algumas no Brasil. Pode parecer estranho, mas, para a cultura dos Tupiniquim, esse fato não era relevante. Por quê?

Na cultura desse povo indígena, os homens que eram entendidos pela comunidade como líderes e/ou bons guerreiros podiam ter mais de uma esposa.

Após o casamento com Bartira, João Ramalho e suas esposas indígenas foram morar no Planalto de Piratinga, junto ao povo de Tibiriça.

As uniões interétnicas pelo olhar nativo

De acordo com estudos etnológicos, os grupos tupis que habitavam o litoral brasileiro no início do século XVI respeitavam a existência de culturas diferentes das suas e interagiam com essas por meio das guerras, das alianças, das trocas e dos casamentos.
Através do casamento, o estrangeiro era integrado às suas sociedades na condição de cunhado.

Cunhadismo ou cunhadio

O forasteiro, ao casar-se com uma mulher nativa, passava a fazer parte da família desta e de toda a aldeia.

A partir dessa união, automaticamente, ele pertencia à intricada – e não fácil de compreender – rede de aliados e rivais da aldeia.

O antropólogo Darcy Ribeiro, ao estudar sobre os povos indígenas, nomeou este costume de cunhadismo.

O termo cunhadio é sinônimo de cunhadismo.

Podemos afirmar: grande parte dos náufragos, lançados ou desertores europeus que sobreviveram no Brasil do século XVI foram acolhidos por alguma aldeia indígenas e desta adotaram costumes e receberam uma esposa.
A união com a nativa legou o pertencimento ao grupo e muitos parentes.

Arte Histori-se. João Ramalho e filho e Tibiriça.
Notas:
  1. A imagem acima é uma colagem. As imagens dos homens e da criança são cópias das obras de José Wasth Rodrigues.
  2. Primo cruzado é o filho de um irmão da mãe ou o filho de uma irmã do pai.
  3. Clique no link a seguir e veja a definição de < Caminho do Mar  >. 
  4. Este post faz parte da série < O Tempo das Feitorias  >. Confira.
Referências:
  • HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 14 ed. Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1981.
  • Leite, Serafim, Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil, Ed 4º Centenário, Tipografia Atlântica, Coimbra, 1956
  • RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
  • SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Erico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 120
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