Úrsula
Mulheres que escrevem
Me conta…
Qual o livro que mais mudou a tua vida, ela perguntou… eu travei, esperava uma conversa banal, daquelas que a gente cansa rápido e dá uma desculpa para terminar.
Eu encerrei, não por tédio, e sim para pensar… para encontrar uma resposta que fosse digna de tamanha pergunta.
Não para ela, que só conversei mais uma ou duas vezes e não lembro nem o nome, EU precisava dessa resposta.
Encarei a minha estante, meus livros me encararam de volta e me fizeram lembrar de outros tantos que já tive oportunidade de ler.
Depois de um tempo, fui dormir com isso na cabeça. Nos próximos dias, encarei novamente as publicações. Folheei algumas, reli trechos, busquei memórias sem uma conclusão.
Foi no meio de alguma tarefa banal da minha rotina que me dei conta da resposta.
O tal livro não é um clássico, algo de grande construção teórica, não foi escrito por uma pessoa revolucionária, com pensamentos inovadores.
Uma história real, com escrita despretensiosa que inaugurou a carreira de um jovem escritor e, talvez, por isso mesmo, me envolveu tanto desde primeira vez que li.
Ele é possivelmente o livro que eu mais vezes reli por gostar da sensação de liberdade que ele me traz.
Liberdade essa que, muito depois, percebi que vinha justamente por jogar na minha cara as tantas camadas de privilégio que eu tenho.
O autor conta a própria história. Ele jovem com uma condição econômica confortável, uma família bem resolvida, com acesso a bons livros, bons filmes, uma educação de qualidade, lazer, alimentação e tudo que nós dois considerávamos “o básico” à disposição, até que um dia, tudo ABSOLUTAMENTE TUDO, mudou.
A condição geral da família continuava exatamente a mesma, mas ele agora dependia integralmente de outras pessoas para desfrutar de tudo isso.
No período que relata, ele descobre o quanto aquilo que consideramos “o básico” é um baita privilégio. Ele, que tinha todo esse acesso, descobre que, em algumas situações, nada do que a gente tem faz diferença e se vê limitado pelo próprio corpo, pela tecnologia existente na época, pelas evoluções médicas e pela disposição de quem o rodeia.
A Júlia do início dos anos 2000 já sabia que existiam diferenças sociais, físicas e econômicas entre as pessoas, mas, só então, se deu conta do quanto essas diferenças acabam privilegiando várias delas.
Foi a partir desse entendimento que passei a aproveitar alguns dos meus privilégios para apoiar movimentos em busca dos direitos humanos e foram essas vivências que formaram a Júlia que vive em 2021, que luta por uma sociedade com mais equidade e mais respeito.
Agora me conta… qual foi o livro que mais mudou a tua vida?
AUTORA
Júlia Flôres
Nota: texto original publicado no Mosaicos Feministas.