Que letra mais linda, que tempo mais bacana. E que paz.

Imagem cedida por Cris Costi (autoria desconhecida)
Tempo, tempos, vida, amor, serenidade ... Cris Costi traz em suas reflexões sobre o cotidiano. Confira!

A vida é curta demais para eu ler todo o grosso dicionário a fim de, por acaso, descobrir a palavra salvadora“. Essa frase da Clarice, entre tantas, foi talvez a que mais tenha me marcado. Anos depois, eu li, não me lembro de quem era, uma que dizia que a grande dificuldade da vida era, entre cem caminhos, ter de escolher um e viver para sempre a nostalgia dos outros noventa e nove. Ambas, acho, falam sobre o tempo e sobre uma coisa antagônica em mim: o entendimento de que a vida está no que está posto – e não há palavra salvadora – e a vontade de pirotecnias, um lamento com tudo que não é acontecimento – porque sempre, em algum momento quando anoitece, a festa é “em outro apartamento”.

Um pouco desse sentimento sempre me voltava quando entrava em férias. Ficava imaginando mil coisas para fazer com esse artigo de luxo que é o tempo, e o que se realizava sempre parecia menor do que a promessa das expectativas. Havia, sempre, a necessidade de apreender o intangível, reter sei lá bem o quê, eu montada nesse existencialismo sem fim, querendo toda a alegria e toda a felicidade e todo o prazer e todo o gozo, querendo a vida inteira, leite e mel. Eu querendo ter a percepção do dia inteiro, da noite inteira, amando estar acordada na madrugada, para guardar o vivido daquilo que, no sono, sempre me pareceu desperdício.

Nessas últimas duas semanas, tempo de férias, fui na contramão: não fui atrás de fogos de artifício, mas de silêncio de contemplação. Fui o mais perto da vida corrente em seu próprio fluxo, o tempo escoando os dias, um após o outro, sem precisar estar em algum lugar. E parece que, não buscando nada, nada me faltou.

Aí, hoje cedo, li o texto de um amigo sobre a passagem do tempo e sobre as inevitáveis despedidas, sobre o mundo se esvaziando (e talvez a arte de perder não tenha em si nenhum mistério, como escreveu a Bishop).

Aí, agora à noite, pensando no recomeço de amanhã, lembrei desta canção do Lenine, que ouvi muito na semana passada.

Aí, talvez, talvez, seja isto: enfim, serenidade. Enfim, o amor como lugar de repouso. Enfim, só o que me interessa. E aí- vai entender! – e aí, então, a revelação dessas coisas muito secretas: a lógica do vento, a fórmula do acaso, a voz da intuição.

Que letra mais linda, que tempo mais bacana. E que paz.

05/08/2019

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Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa
Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
E o vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto
E é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o teu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa
A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa
A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa
(Só o que me interessa – Lenine)

Autora: Cristiane Costi e Silva. Professora. Apaixonada pelas palavras. Achando, como bem disse Adélia Prado, que “a coisa mais fina do mundo é sentimento”.

Sobre a imagem destacada
Imagem – cedida pela autora –  coletada na internet sem identificação de autoria. Caso conheça autora (autor) da fotografia, por favor, comunique com Histori-se para registrarmos.

 

 

 

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