Essas perguntas suscitam reflexões e nos trazem, à memória, várias histórias.
Hoje, Histori-se compartilha um pouco da história de Bento.
HISTÓRIA E SUAS MANAS
Bento, logo ao nascer, tem duas mães biológicas e o direito de tê-las no seu registro civil ameaçado. Essa é uma história com final feliz, mas não precisaria ter acontecido.
Uma das mães de Bento é Ágata Mostardeiro, mulher trans que iniciou o processo de transição para gênero feminino após a concepção do menino. Como consequência desse processo, procedeu à alteração de seus documentos e obteve, do Estado, o reconhecimento de sua condição de mulher.
Quando a criança nasceu, ela contava, portanto, com duas mães biológicas: Ágata e sua companheira; contudo, ao registrar o filho, apenas, a mãe que o gestou foi citada como mãe biológica.
Segundo Ágata, o problema teve início já na Declaração de Nascido Vivo, emitida pelo hospital, que a identificou como ‘companheira da mãe da criança’ , não como também mãe.
Ao tentar registrar o filho, Ágata foi informada pelo cartório que o mesmo só poderia ser realizado mediante comprovação de que a inseminação teria acontecido in vitro ou se o registro constasse ser Bento filho de mãe solteira. Mas a concepção não aconteceu in vitro e Bento tinha duas mães biológicas: uma cisgênero e uma transgênero.
O Ministério Público, então, após consulta a uma juíza, exigiu, para fins de comprovação, que Ágata apresentasse documentos e exames que atestassem a sua condição biológica e, também, que a outra mãe declarasse que ambas conceberam a criança.
A solução, encontrada pelas duas mães, foi – devido a questões de ordem prática (como inclusão da criança no plano de saúde) – aceitar um primeiro documento onde Ágata figurou como mãe sócio-afetiva e, na sequência, solicitar, judicialmente, a inclusão de Ágata como mãe biológica no registro de Bento. Um processo que durou dois anos.
No dia 18 de agosto de 2020, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu que Ágata é mãe do filho que concebeu. Agora a certidão de nascimento do pequeno Bento afirma que ele possui duas mães biológicas.
Sim, a história tem um final feliz. Entretanto, a história é, também, um registro de violências simbólicas.
Atualmente, há uma orientação da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado sobre como pessoas trans podem registrar os seus filhos.
Este texto é fruto de uma entrevista com uma mãe da criança, Ágata Mostardeiro. A entrevista foi realizada por Núbia Quintana.
Ágata tem 27 anos, foi candidata a vereadora do município de Canoas (RS) nas eleições de 2020, é palhaça, educadora social, bióloga, mestranda em sociologia e mulher trans e travesti. Ao contar sua história e ouvir que não se escondeu da luta pelos seus e pelos direitos de Bento, ela diz que a gente “pode até se esconder um pouquinho, mas volta e luta”.
Sobre a maternidade ela, com um largo sorriso, diz que é “bom, mas cansativo”. Revela que o afastamento das artes, devido à pandemia, é algo complicado, mas que, a arte, também, se apresenta na convivência com o filho.
Ágata, também, encontra as opiniões alheias sobre sua maternidade. Opiniões, muitas vezes, baseadas em premissas preconceituosas, como questionamentos sobre sua identidade de gênero influenciar a criança ou sobre os referenciais masculinos que Bento irá ter. Sobre estes, ela é certeira: “E o referencial masculino dele? Este se busca nas pessoas boas que o cercam. A gente tem inspiração nas pessoas que admiramos. Não se busca só em pai e mãe, mãe e mãe, pai e pai. Não é só um referencial sobre o que é ser homem, mas sobre o que é ser o humano. Isso é o mais importante”.
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