Alzira Soriano
Histori-se entrevistou Alzira Soriano. Confira!

HISTÓRICAS

E, mais uma vez, a janela dos tempos se abriu. E Histori-se?

Não perdeu a oportunidade e foi bater um rápido papinho com a Luisa Alzira Teixeira Soriano.  Onde? Na cidade de Lages, no Rio Grande do Norte, em 1935.

Transcrevo aqui um trecho deste rápido bate papo. Infelizmente, muito breve bate papo. Ainda não entendo o funcionamento dessa janela dos tempos.
O fato é que quando ela está para se fechar, temos que nos apressar para retornarmos ao nosso tempo/espaço de origem. Não sei o que ocorreria caso não embarcasse para o retorno. Mas vamos à nossa entrevistada:


Histori-se: A senhora foi a primeira mulher eleita e empossada como prefeita de uma cidade brasileira. Esse fato foi noticiado até em um jornal norte-americano na época. Quando foi isso? Qual a sua idade na época?

Alzira: Foi noticiado no The New York Times [sorri]. Isso foi lá em 1928 e eu contava com 32 anos. Mas sabia que sou a primeira mulher a ocupar esse cargo, não apenas aqui, no Brasil, mas em toda a América Latina. Fiquei sabendo esses dias.

Histori-se: Só no ano de 1932 foi permitido o sufrágio feminino no Brasil e a senhora foi eleita prefeita em 1928. Conte como foi isso.

Alzira: É… só agora foi permitido e, mesmo assim, contando com restrições. Mas já é um passo. São muitas mulheres, de diferentes origens e lugares, na luta por esta conquista. Talvez, agora com fruto dessa movimentação feminina e – como os políticos não são bestas – diante da possibilidade de aumentar o número do eleitorado – a gente consiga não apenas o voto, mas uma representação feminina adequada nos cargos políticos. Um longo caminho.

Histori-se: E a senhora nem imagina o quanto… Lá no ano de 2021, o percentual dos cargos políticos ocupados por mulheres ainda é muito baixo. Mas estamos como diz a senhora, caminhando.

Alzira: Nossa! Muito lento esse caminhar. Mas vou contar como foi possível minha eleição.

Então… Como a   Celina contou para você: a legislação estadual aqui, no Rio Grande do Norte, foi alterada. A grande diferença foi a inclusão de “sem distinção de sexos”. A lei ficou assim: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”

Histori-se: O governo estadual pode alterar a legislação de modo a deixar claro o direito das mulheres em participar do processo eleitoral? Será que é porque a Constituição nunca disse que as mulheres não poderiam votar?

Alzira: Isso mesmo. O costume machista era mais forte que a escrita da Lei e levava à interpretação de que só aos homens cabia esse direito. O José Augusto Bezerra de Medeiros explicou que, como a Constituição [de 1891] não distinguia entre homens e mulheres em relação ao direito ao voto, a Lei estadual era válida.

Histori-se: Algumas pessoas dizem que a sua condição financeira e a influência de sua família possibilitaram a entrada na vida política. Estas condições foram suficientes? Possibilitaram um processo mais tranqüilo em relação ao aceite de sua candidatura e posterior eleição?

Alzira: Olhe menina: cada um com suas penas e suas graças. A resposta é sim e não. Sim, a minha posição social e econômica, assim como o meu pai ser uma liderança política regional, me ajudaram a pensar na possibilidade de atuar no mundo político e, também, a conseguir a minha candidatura. Depois te conto como foi isso. E não, porque isso não basta. Precisa de um grande querer e muita força onde o desrespeito com a pessoa da mulher é uma arma política para te descredenciar. E mesmo os seus correligionários, muitas vezes, pensam que podem te manipular por você ser mulher ou que certos cargos e responsabilidades não são adequados às mulheres. [Pausa]

Alzira: Mas cada mulher que deseja e tem a possibilidade de ingressar no mundo político, independente de quem ela seja, mostra para outras esse exemplo. Alguém tem que ajudar a abrir as portas.

Histori-se: Estava lendo que durante o seu governo houve a construção de escolas e muita atenção às obras de infraestrutura para Lajes. Mas a senhora renunciou há pouco. Por quê?

Alzira: Veio a Revolução de 1930. O Governo Federal até optou por me manter na administração da cidade como interventora municipal. Nunca! Fui eleita democraticamente. Jamais serei interventora. Tenho discordâncias com os rumos que o governo Getúlio Vargas está tomando.

Histori-se: Dizem que a senhora tem uma personalidade muito forte.

Alzira: Deve ser verdade [risos]. Se não fosse, não teria sido eleita.

Histori-se: A senhora pretende retornar à vida política?

Alzira: Nunca deixarei a vida política. Em relação a concorrer a cargos públicos, só retornarei quando for possível concorrer, ou seja, for eleita democraticamente.

Histori-se: Ih… a janela dos tempos está se apresentando novamente. Desculpe, mas terei que ir.

Alzira: Entendo. Vá. Quem sabe em outra oportunidade consegue retornar para me contar sobre a mulheres na política no século XXI. Quem sabe a janela dos tempos se apresente aqui e eu consiga visitá-la.

Posse da prefeita eleita: Alzira Soriano.

NOTAS:

  • Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, conforme registro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN).
  • Alzira retornou à política após a redemocratização do país, em 1945. Foi eleita vereadora em Lajes por três mandatos.
  • Alzira ( 1897 – 1963) .

HISTÓRICA EXPLICA

Pensando historicamente, é muito recente a participação feminina na política brasileira. Apenas o Decreto 21. 0761 – do Código eleitoral de 1932 – permitiu às brasileiras os direitos de votarem e de serem votadas. Esse Código, datado de 24 de fevereiro de 1932, foi promulgado pelo Governo Provisório, chefiado por Getúlio Vargas e instaurado após a Revolução de 1930. Visava regular a eleição agendada para o ano de 1933.

Conforme será explicado em outra edição de Histori-se, essa permissão legal às mulheres não pode ser entendida como plena. Observe que, até o ano de 1964, o número de eleitoras sempre foi bem menor que o número de eleitores. Por que será? A resposta está nas convergências entre o direito ao voto e o Código Civil.

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